sábado, 30 de dezembro de 2006

tem nome de flor

Nessa madrugada alvissareira nasceu Rosa, filha do meu grande e amigo demais Fernando Szegeri e da Stê, pessoa de quem gosto mais a cada dia. Pra aqueles que como eu estão colecionando boas notícias que tragam 2007 pelas mãos com novos ventos, o nascimento da florzinha soa como a certeza de que esse ano termina em bom termo e que o próximo chega em boa hora. Daqui das terras fluminenses recebam meus beijos todos, e outros da Luiza minha flor e do meu João-olhos-de-floresta.
Vem, Rosa, vem ver como esse mundo apesar de tudo é cheio das mais variadas bonitezas, e vem fazer com que ele valha mais a pena.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

desordenadas

Arrumar as malas.
Desacelerar.
Onde vai ficar o Benedito?
Esqueci de telefonar pras tias, meu nome fez parte do pensamento de muitas pessoas, até de gente que desconheço, como é que eu vou agradecer.
Ao final e ao cabo, ficou tudo de ponta cabeça. Esse ano precisa mesmo acabar.
Esqueci as promessas que tinha feito, acho que pedi a Deus que não se esquecesse de mim.
Pro ano novo preciso que meus pés fiquem mais perto do chão, e que aprendam a andar ordenados. E dinheiro. E uma casa nova. E saúde, meu Deus, mais saúde.
Meu pai disse hoje de manhã que preciso fazer o planejamento dos meus dias pra que eu possa ver o quanto me descuido - "sua cabeça é sua maior virtude, mas também seu maior algoz", falou assim simples, imensidão do meu pai. E me disse que o amor por mim é muito grande, grande demais, e que eu não posso me esquecer disso nunca nunca.
Vou tentar, pai, prometo.

domingo, 24 de dezembro de 2006

corpo fechado

Saí do hospital ontem, sábado, e vi a cidade fervendo, cheirando a Natal - acho que nessas de estar enclausurada me livrei da parte pior. E a primeira coisa que fiz foi parar na Dr. Arnaldo pra comprar uma pimenteira - entrei em casa com ela em riste, na frente do peito, como um patuá. Engraçado, senti-me protegida, vê se pode... como vou ter de abrir as portas e as janelas pra ensolarar de novo, é bom que assim seja, amém.
Ah, ia esquecendo: feliz natal pra nós tudo.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

alvíssaras

"e, circunstancialmente, entre posturas mais urgentes, cada um deve sentar-se num banco, plantar bem os pés no chão, curvar a espinha, fincar o cotovelo do braço no joelho, e, depois, na altura do queixo, apoiar a cabeça no dorso da mão, e com olhos amenos assistir ao movimento do sol e das chuvas e dos ventos, e com os mesmos olhos amenos, assistir à manipulação misteriosa de outras ferramentas que o tempo habilmente emprega em suas transformações, não questionando jamais sobre seus desígnios insondáveis, sinuosos, como não se questionam nos puros planos das planícies as trilhas tortuosas, debaixo dos cascos, traçados nos pastos pelos rebanhos: que o gado vai ao poço." (lavoura arcaica, raduan nassar).

Roubo este e ponho aqui querendo na verdade tatuar dentro dos olhos pra não esquecer jamais.
As mãos carregam pétalas.
Os pés reaprendem a andar.
A casa toda precisa de sol - hora de abrir as portas, as janelas, amanhecer.
Os olhos, molhados como sempre e sempre os mesmos, grandes e tristes.
Esse ano precisava mesmo acabar. Pois então, respira fundo, Juliana, que o ar voltou.
Que venha 2007.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

no picadeiro

Hora de parar tudo, catar os caquinhos caídos na serragem, recontar os pratinhos que posso equilibrar de uma vez, descansar os que vão ficar de fora da brincadeira, e, uôpa, colocar as varetinhas de novo pra girar. Mais uma vez (e eu devia aprender que vai ser sempre assim), quando eu começava a ter aquelas certezas, a vida vira tudo de ponta cabeça, e, imperativa, mostra que eu não posso perder a vigilância, nã nã ni nã não: taí ó, catapláft, tudo esparramado no chão, fantasia desfeita, maquiagem borrada, cara de bunda, e a vergonha, aquela, incontornável. Mas, circensemente e como sempre, vou ficar bonita de novo, e levantar equilibrista, secando as lágrimas, rodando os pratinhos de sorriso em prumo nos olhos molhados.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

ex-voto

Hoje vou receber pétalas de Santa Teresinha. Há poucos dias soube que Santa Teresinha está numa cripta em Carmelo, e seu corpo não fenece; está lá, numa caixa de vidro, há mais de dois séculos, uma moça de vinte e poucos anos, como se dormisse um sono simples. A cripta cheira a rosas, o tempo todo. Tenho uma tia que é freira de clausura, madre superiora do convento das Irmãs Carmelitas Descalças, devotas, justamente, de Santa Teresinha. Vi essa tia minha, irmã do meu pai, duas vezes na vida, ainda criança, e só me lembro de seus olhos profundamente azuis, um pedaço do céu no rosto daquela mulher velha, nada bonita, mas suspensa no ar por causa daqueles olhos. E ela recebe, de tempos em tempos, pétalas vindas lá de Carmelo, e vai enviá-las pra mim.

Vou colocá-las sobre meus olhos, pra ver se aprendo a enxergar melhor; sobre a garganta, pra proteger aquilo que realmente presta em mim; sobre meu peito, pra descobrir como ler o mundo com ele e não com meu castelinho de palavras; e nas mãos, pra que não desistam de tecer meu amor em doação.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

diário do hospital - parte final

Já é tão pouca gente que me lê. E eu ainda fico aporrinhando e espantando quem por um acaso divino passa por aqui com esse monte de doenças, remédios, e pior, as minhas mazelas; não vou contar que estou na semi-intensiva, monitorada, oxigênio, fisioterapia com a máscara do Jason, catéter na jugular e congêneres. Portanto, vou dar um lexotan procês e vou botar as ridículas de molho, vamos dormir até esse tormento acabar. Se alguém quiser me visitar eu vou ficar feliz, até porque não sei quando vou embora (olha que divertido, vai até merecer um textinho: Natal no hospital... você me ajuda, Sr. Ruminador?). Quem não quiser ou não puder vir, rezaí que tô precisando. Aos que estão fazendo uma e/ou outra coisa, eu agradeço de verdade-verdadeira, é bom saber que tem gente que se importa, e nessas horas descubro que tem um monte delas, dá até um confortim. E juro que vou tentar não pensar em todas as coisas que não vai dar pra fazer, a árvore de Natal, a casa arrumada, as velas sobre as mesas, ajeitar as coisas no trabalho onde ficou tudo de ponta-cabeça, fazer os presentes e as surpresas pros tios, primos e avós com o João, a salada da ceia sou eu quem faço com chuttney de manga, comprar um vestido pra Luiza, ir pro Rio no samba do Augusto, passear na cidade vazia ido pra lugar nenhum. E prometo que não vou mais chorar. Inté.

sábado, 16 de dezembro de 2006

diário do hospital 3

A noite pela janela do 10º andar era linda. Mais um lexotan pra dormir - viva! - mas a dor agora está se espalhando: costas, estômago, ventre, e uma tossezinha esquisita, a respiração curta, ofegante. Então acordo às 2h30, e adeus meu sonho de pedra, o lexotan desistiu de mim. Tosse pior (quando eu era pequena, minha mãe chamava de tosse de cachorro), sem posição pra dormir, tudo dói.
De repente lá fora o dia amanhece. E aqui dentro meu ar acabou: a tosse seca não pára, a saturação foi a 60, máscara de oxigênio, mudança de planos: tomografia, troca de quarto para o semi-intensivo, monitoramento, pode ser uma pneumonia, uma infiltração pulmonar, uma trombose.
Quero brincar de outra coisa, tem mais graça não.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

diário do hospital 2

em homenagem ao lexotan
Essa noite dormi como pedra. Queria saber escrever, assim como João Cabral fez um poema pra Aspirina, um soneto em louvor ao Lexotan. Ou talvez melhor fosse uma ode, pra combinar com o nome do meu santo médico, Dr. Virgílio, que prescreveu este elixir dos deuses, uma pilulazinha tão pequena quanto cor-de-rosa, que me fez desfalecer nos braços de Orfeu e desaparecer no negro reino de Hades, nem sonhos eu tive, uma bênção, um presente. Acordei meio tonta, fazia tempo que não dormia profundo e escuro assim. O rim ainda dói, o estômago continua uma lixo, trocaram os canudinhos do braço, ganhei uma borboleta azul sob um esparadrapo transparente. Mandaram que eu ande pelo corredor, e logo vou cruzar com os outros internados, todas acompanhados de seus cabideiros de rodinhas - suportes de metal em que ficam pendurados os saquinhos de soro e as buretas de medicação, e os canudinhos que descem e entram pelos catéteres, borboletas coloridas nos braços mais ou menos envelhecidos. Que desespero isso aqui. Preciso ir embora, ou vou enlouquecer. Ei, seu poeta, mais um lexotan, por favor?

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

diário do hospital

Cipro 400 mg, a cada 12 horas. Novalgina para dor. Buscopan para dor. Losec, protetor gastrointestinal. Dramin, enjôo. Solução fisiológica a 0,9% sem parar. Tudo desce pelo canudinho, e a dor persiste, filha da puta, não pára. A comida do hospital não é ruim, mas meu estômago está um lixo - o resto também. Os olhos vez ou outra ficam embaçados, e o relógio pendurado na parede da frente da cama fica maluco, com quatro ponteiros. A televisão segue desligada, não tenho vontade, ler não consigo, pra usar a internet dóem as costas, conversar não há com quem. Tá ruim aqui. Uma solidão dolorida, literalmente.

pielonefrite

O enfermeiro avisa: haverá alguma perturbação visual e boca seca, mas pelo menos a dor e os calafrios vão passar. Fecho os olhos já turvos e esse nome me parece uma coisa bonita, imagino os pés de Nefertiti... devo estar delirando. Na verdade, não tem nada de bonito: pielonefrite é o nome certo de infecção renal, a segunda no ano, isso não é bom. No hemograma tem um tal de gran negativo, e o médico explica que as bactérias estão passeando na minha corrente sanguínea, e isso também não é nada de bom, podia virar uma infecção generalizada. Meu braço esquerdo tem uma porção de canudinhos pendurados, minhas costas dóem sem um segundo de descanso, minha cabeça é povoada por uma ciranda em que giram confusamente coisas disparatadas, os processos vão sair?, a Luiza está doente, será que as fotos ficaram boas?, não gravei o desenho que o João pediu, o Natal, não comprei nenhum presente, nem mesmo fiz a árvore, meu pai ficou preocupado, desmarcar a análise de amanhã. Por que isso agora, meu Deus, por que? Desentendo. E eu só queria saber dançar, talvez fosse mais fácil, mas só as veias das minhas mãos são bailarinas.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

carta ridícula II - garçoniere

Sim, eu terei uma garçoniere.
E lá estará uma estante com os livros importantes: raduan, guimarães, bandeira, mário, cecília, stela, joão cabral, machado, manoel de barros, livros de correspondências e de fotos, catálogos, edições feitas de papel bonito. E haverá os filmes que importam, aqueles de assistir junto debaixo do cobertor macio, que vai aconchegar o soninho na tarde quando chover e der uma preguiça de não fazer nada, só respirar perto do nariz do outro, e que vai acolher também os corpos quando estiverem enroscados, um no outro, em cima, embaixo, ao lado, dentro. E lá vai ter uma mesa grande de madeira escura e velha, que vai alimentar os jantares e abrigar os papeizinhos dos meus bilhetinhos e bobagen zinhas, e as canetas que estarão espalhadas, os lápis de cor, os pincéis, os copos de água, as flores vermelhas, os jornais, tudo na bagunça bonita da mesa sólida. E haverá também os discos de invadir a alma, um par de copos, de pratos e de panelas, manjericão e hortelã nos vasos no parapeito da cozinha pequena. E lá estará a janela por onde entrará o cheiro da chuva quando cai no chão quente, o vento frio de arrepiar a pele, e que mostrará o mundo só às vezes, coberta pela cortina branca que pela manhã esconderá fraca e débil os raios de sol que vão invadir o dia. E lá o tempo será regido por outros mistérios, e abriremos a porta só quando tivermos vontade de sair.
E lá estarei eu e meu corpo que te espera e meus ouvidos que gostam das tuas palavras e minhas mãos que gostam das tuas e meus olhos que querem pousar sobre os teus. E estará você e tuas mãos que me percorrem e me descobrem, tirando de mim as roupas, as certezas, o meu domínio e os meus segredos.
Você me pergunta o que é amor.
Eu não sei.
Eu sei que meu corpo gosta do teu corpo e minha alma gosta da tua alma. Meu corpo se entrega ao teu e minha alma também. Meu corpo quer o teu por perto e minha alma também.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

carta ridícula I

hoje eu estou sem as palavras, porque elas ficaram dentro da tua boca, enroscadas nos teus dentes, molhadas na tua saliva.
hoje eu só tenho meu corpo, que esfria por dentro do umbigo quando pensa e lembra da tua mão, da tua mão pesada e quente.
hoje eu estou sem sono, porque ele ficou amarrado nos teus braços que me acolhem sem medo, que me carregam, que me comem.
hoje eu só tenho meus olhos abertos, procurando olhar por dentro de mim pra achar a lembrança mais perfeita, aquela que vai te reconstruir nos meus sonhos de amor.
hoje eu só tenho meus sonhos, e neles só tenho a ti, inteiro aqui, corpo no meu, me acordando e me fazendo desistir de tudo, me fazendo prometer que
o que quiseres de mim eu dou.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

raiva

preciso comprar velas e acender para todos os santos, pro protetor dos processos (qual será?), pra nossa senhora desatadora dos nós, e pra santo expedito, aquele das causas impossíveis.
ou talvez melhor fosse receber são jorge guerreiro, e como não teria força com uma espada, comprar um revólver.
usurpando, faço a oração:
"Deus me perdôe essa intimidade
Jorge me guarde no coração
que a malvadeza desse mundo é grande em extensão
e muita vez tem ar de anjo e garras de dragão"
(moacyr luz, aldir blanc, medalha de são jorge)

sonho

Viajo de trem, sentada, bancos de madeira ripada. Nos ouvidos, o tla-tlac dos trilhos e aquele balancinho de fazer dormir. Nas janelas o tempo. A pele do meu rosto vai desgrudando, em grandes e espessos pedaços cai sobre minhas pernas, e posso ver minhas feições em negativo, como fosse uma forma. O sangue nasce desde o meu colo e escorre pelo chão do trem, grosso e silencioso. E me perguntam o que é aquilo, ao que respondo, simples, meu rosto está caindo. Pela janela do trem vejo meu reflexo, a cara nova não sangra, não há dor: os olhos brilhantes quase sempre a ponto de chorar, a pele de criança, o nariz infantil; os mesmos. Sigo viagem, não vou a lugar nenhum, não fujo de nada, não me escondo de ninguém. Só o tla-tlac dos trilhos sob meus pés vermelhos, o sol varando entre as janelas, um alívio em forma de vento, e uma certeza fresca, amanhecendo no meio do peito.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Luiza

Luiza hoje faz aniversário. Minha flor, olhos pretos de jaboticaba brilhante, riso que põe luz em festa na janela do dia. Minha bênção, meu enredo. Abraço que lavra a alma e crava a certeza. O mundo é melhor porque você está aqui. Lindeza que eu não mereço. Luiza, ensolarada, como uma manhã universal.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Receita

(presente que me foi dado outrora por amigo querido demais, Fernando Szegeri, e que em tempos como estes em que o peito aperta doído serve de lenitivo. Mesmo que meio envergonhada, lá vai)

Receita

J
unte-se à mais bela flor que a vida engalana
U
ma gota do doce mais doce que a cana
L
eve-se à forma da mais nobre porcelana
I
nfunda-se essência clara e firme da imburana
A
queça em fogo que d’olhos próprios emana -
N
ão duvide de quem atesta e não se engana -
A
o fim e ao cabo terás pronta Juliana
(fernando szegeri, julho 2006)

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

novas repetidas

Na gramática da prateleira do quarto no profundo escuro do corredor leio e escrevo sob o ensolarado que enfrestado ilumina: o amor é generoso e intransitivo. Na sintaxe dos dias vividos um a um o olhar oblíquo perscruta a alegria das coisas mais sem importância e mais do que tudo a infinitude das possibilidades. E desprovida da calma dos sábios e da sabedoria dos certos e em feminino desespero surrupio do maior de todos: certeza nossa, única, é estar no meio do redemoinho, viver é muito perigoso. E no rodapé, pra ser estranhamente breve, digo: isso só pode ser uma felicidade.
daí que o amor segue com viço, como flor linda amanhecida no blin blin da orvalhada.