terça-feira, 18 de maio de 2021

cartografia 41, do retorno

súbito, 30 anos depois, eu volto, e entre saussures, bandeiras e homeros, súbito estou eu penélope de mim mesma, esperando por mim, agulha e fios nas mãos, cada ponto uma ave maria, como minha vó crochetando infinitas toalhas de banquete, minha vó julia pereira pinto que esperou em silêncio por mais de 50 anos a hora de voltar pra casa de jesus de onde ela nunca queria ter saído pra casar e parir 14 filhos com meu vô joão que era neurastênico, minha vó julia de quem trago o nome e que foi enterrada de hábito irmã julia de maria, então viúva do meu vô joão pinto que aprendeu a ler e escrever sozinho e construiu uma gráfica e um jornal e que dá nome ao meu filho, ele e eu herdeiros em demasiada medida daquele homem e daquela mulher, então assim repentino, eu estou capotando na deriva da memória, sonhos e pesadelos, toda noite uma lembrança e uma promessa, a vaidade infantil, a impaciência envelhecida, e a aurora de róseos dedos me enfiando pra dentro do novelo pra sangrar na ponta da agulha e não esquecer, na carne, daquilo que eu não queria mais lembrar, a mãe que não consegui ser, a disciplina que não tenho, as faltas falhas erros desvios desencontros, o sofrimento que impingi, a vergonha, o abandono, a dor, a dor, adorador adora dor, é bem do olho desse redemunho que eu repentino volto, 30 anos depois, súbito

(30 anos, meu bem, não são 30 dias)

e descubro, alumbrada, que não endureci: eu sou aquelazinha ali que chora na aula de introdução aos estudos literários.