terça-feira, 29 de maio de 2007

despedida

O que eu queria agora é que ela passasse por aqui pra ler aquilo em que me tornei no discurso ordenado que crio, também por causa dela. Que ela soubesse daquilo que não pude dizer nesses doze anos de vontade e resistência, mas sobretudo de afeto - um estranho diverso, como outro não vivi nem vou viver. Doze anos: nasceram os filhos, passaram homens, fantasmas, monstros, memórias, alegrias e versos de toda natureza, ela ali sentada, eu ali náufraga e nua em desmesura, desespero, descoberta, desvio, amor, e ela ali sentada, presente.

Hoje vou embora como a criança que larga devagarim a mão do pai e anda adiante no equilíbrio precário e desde então o mesmo que vai manter o umbigo longe do chão, dizendo com olhões brilhantes e frio na barriga: ó, eu posso ir sozinha.

Quero dizer-lhe que sou, embora ainda não saiba direito o que isso quer dizer. Quero que saiba que tenho quem por mim, e isso é a melhor das felicidades, bênção que mereço, flor à qual me dedico, casa e devir que construo.

Quero sobretudo que ela saiba que foi ela quem me mostrou os lápis de cor, muitos mais que os poucos que eu tinha, para que eu possa então desenhar e colorir com medo, carinho e solidão os caminhos, os redemoinhos todos.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

caixa de música

Hoje te entardeço chorosa das tristezas e receios que assombrarão sempre.

Hoje te anoiteço febril com surpresas bordadas na pele anunciando o quando encontrarmos juntos o mar pela primeira vez (e será a alegria das geraes descortinando o horizonte litoral).

Hoje te adormeço louco e doente entregando mais uma vez a flor vulcânica de todos os dias com a calma doce de todos os dias e com o desespero oceânico de todos os dias.

Hoje te amanheço convalescente pequeno, bonito enrolado nos panos vermelhos, beijo teus olhos celestes e sinto já a saudade ao virar da chave.

Hoje te reconheço nas rosas de vidro sobre a mesa e no basculante da janela em frente, e até mesmo naquela pra quem te devolvia quando era brevidade, e colo assustada o papelzinho amarelo com teu nome e teu número, simpatia.

Hoje estremeço de medo, e te compro dois presentes.

Não deu tempo de comer. Mas escuto já os almoços que finalmente serão familiares e tumultuados para que os nossos tenham na memória a mesma música da nossa infância.

terça-feira, 22 de maio de 2007

ridiculinha, 23

há de vir:
Nosso amanhã, passarado meu, caminha em nossa direção com passos largos, corre ao nosso encontro como criança debaixo do sol. Bonito, o devir, já está por aqui.
E os redemoinhos todos todos...

segunda-feira, 21 de maio de 2007

oração

Deus pai, São Jorge, Santa Teresinha das minhas rosas:

olhem por mim, lupanares sagrados de aleluias, no sombrio da noitinha de vento temeroso, na simesmice das escolhas sempre solitárias, no caminho enevoado que não mostra o passo depois do passo dado.

Guimarães de rosas e de passarada:

esteja sempre aqui comigo pra dar a mão de palavras que desconheço, pra reinventar aquelas que amorosam meu dizer e meu desdizer em belezuras e desdiversos, pra sorrir e chorar com estas que são o meu eumesmim, pra desenhar nosso devir em mãos-patas-dadas, barcais tatuado na carne e na delicadeza, dor e alegria, todos infinitos tudos.

Frutos meus, olhos de imensidão de floresta e ensolarada dos dias:

saibam de todos os jeitos de que fomos feitos por sentir, e mesmo daqueles que ainda aprenderemos, que minha vida, meus olhos, meu cantar, minhas mãos, meu sonhar e meu desfazer são seus, desde sempre e para o sempre, pois que o amor não tem fim nem começo.

E a mim mesma, em nome de todos os anteriores e posteriores:

rogo estar inteira e forte misturada confundida no meu próprio sangue que de muitos é formado formoso, que preciso de mim, e que estes outros precisam ser inteiros para desprecisarem-me.

Amém.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

bipolar

Tracei nosso futuro próximo com o filho, fiz jantar, carinhei a doce princesa macaca, arrumei a agenda, acertei o traçado, vesti-me de vermelho, lembrei-me do que havia esquecido, redescobri o norte da garganta e das peles, encontrei meus tão queridos, conheci mariazinha, e sobretudo, cantei cada palavra como fosse o parto de espantar os tormentos, sabendo dos ouvidos, mãos e olhos teus atentos, presentes, incontestes, predestinados meus. Assim, tudo de novo parece assentar.

Sim, pois que não me esqueço do dragão.

Valei-me.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

bagunça

ouvi de jesus menino
que folia era de Reis
São Jorge desceu Quintino
e pediu a sua vez
quando a vida se acomoda
eu me lembro do dragão...

(moacyr luz, sereno, que batuque é esse?)

terça-feira, 15 de maio de 2007

na travessia

juntos, e os mesmos olhos de menino encantado que descobriram um dia sua ancestralidade nos pára-choques de todos caminhões, ganharam nova claridade ali no tormento da casa velha, no beijo ainda aflito de uma mãe, no sorriso sabedor da outra, na paciência sagrada e ausente do pai, no corpanzil vazio e pesado do caçula, na escolha-caramujo da irmã sorridente e ainda bonita. As mãos que desenham meu futuro encontram seu maior viço nos papéis mimeografados tirados do pó do maleiro: retroversos. E a palavra sempre reta percebe outra inflexão, ali, acocorado no quintal, ali, nas ruas de pedras escuras, ali, na quermesse estrelada, ali, nos beirais bonitos e esquecidos, revividos em cada um dos seus dias seculares por aqueles olhos da cor do céu do domingo continental. Ainda menino, olhos de imensidão, não cansa de procurar a cifra secreta nas placas, nas rachaduras, nos silêncios. Ainda menino, emociona e desanda, desentende de onde vem o medo, freme, resiste em adolescer. Ainda menino, quer meu corpo por perto por não se e me perder. Ainda menino, sabe, e por isso não envelhece, da beleza sem precedente e sem explicação que reside na delicadeza das alegrias miúdas e sem importância nenhuma, e também da

quinta-feira, 10 de maio de 2007

ridiculinha, 272

Minhas mãos pornográficas contornam palavras de amor:
da mulher a obediência, do homem a gentileza.
Pois que pronunciamos cada conta nosso rosário impublicável.
Diariamente.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

do estado esdrúxulo

Que coisa linda de se ver, andamos assim, o mundo caindo sob nossos pés e afundando as contas bancárias, sem dormir e sem almoçar, mas o tempo folga fácil quando é pra fazer o tempo parar.
Andamos assim, muito, mas muito ridículos.
Mariazinha e Prefeito, benvindos.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

na curva, 2

Eu rio, errante.
Tu acertas, imensidade.
Escrito e predestinado dentro das pálpebras, o pano de vidro que nos espera.
Seja num, seja noutro, estaremos juntos, ali dentro dos umbrais de construir a felicidade e das paredes de relembrar, quando em vez, o sofrimento.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

quentura

Sou forjada na dúvida.
Mas sou de barro de origens geraes, e nos dias de agora, o chão tem de estar por debaixo, horizontes bons, finitos.
Às vezes, até as mínimas possibilidades de certeza ficam tão longe das minhas mãos que chego a desacreditar da minha viabilidade, perco quaisquer óculos de enxergar o algum amanhã.
No calor dos teus braços, ali dentro deles, tudo parece confortar.
Não preciso de ti: a solidão é minha conhecida, meu rosto de resina já caiu, e eu sei ser o quanto for.
Mas te quero aqui, feminil mulherzinha pequena flor vermelha, porque é da natureza do rosal desejar o sempre colorido, o orvalho amanhecido-solar, e brisinhas, seja no inverno das gentes, no estio das misérias, na asfixia das necessidades, nas agonias desenluadas.
É o tempo, sabes... deste ainda preciso aprender o mistério.