terça-feira, 21 de março de 2017

cartografia 1

O colo exibe pequenas marcas verticais, inveja talvez a tez de um róseo crepe de seda pura.

Os seios melancolizam as formas de outras encarnações - pequenos, túrgidos, lactantes. Agora maiores, assimétricos, vão cansados de um outro orgulho e aos poucos perdem a batalha.

As espaldas seguem rígidas e carregadas. Aguentam. Suportam. Mentem.

A dobra das axilas, ou mais precisamente o encontro do torso com a cavidade por baixo da articulação do ombro, forma desde sempre uma prega levemente curva, reconhecível. Ali restam escondidos os desejos, dos quais a menor lembrança viça os mamilos, estes ainda espertos e responsivos. Dois olhos da alma.

A distância entre o esterno e as cristas aparece preenchida de acúmulos, ondas, maciezas. Sucedem-se em teimosia. Alteram, vagarosa e subitamente, números e molde. Autoconfiantes, ficam. Desconformam, desconfortam, ainda que a cintura insista em desenhar sua linha umectante, sinuosa e potente.

Pelos nascem e povoam rápido a partir da cicatriz.

***

Eu não tenho medo da morte. Eu acho digno envelhecer.

Quando fecho os olhos, no entanto, a memória da minha carne agarrada nos meus ossos, coberta por minha pele, manipulada por meus tendões e nervos, encharcada do meu sangue fino e vermelho, tem outra formatura. A imagem da mulher que eu fui parece tão distante desta que eu sou. Como se de tão leve os pés daquela mulher não tocassem o chão. Como se pertencesse a um filme italiano. Como se eu algum dia soubesse dançar.

Eu sinto saudade. Minha alma está deslocada, inquilina. Preciso reabitar o meu corpo.