domingo, 31 de julho de 2022

carta para helena e sérgio

Vocês não sabem, mas eu tenho um repositório chamado As cartas ridículas, que eu só sei mesmo escrever cartas de amor. Vocês também não sabem, mas eu tenho uma enorme dificuldade em saber o meu tamanho – pra mais e pra menos – mistura estapafúrdia de excesso de vaidade e auto-estima destruída, então compro sapatos apertados e roupas grandes demais. Ó meu falatório, o que eu vou dizer é que ontem eu estava tão emocionada.

Vocês não sabem, mas a Helena povoa meus sonhos (e pesadelos) desde um tempo ancestral, a amiga da amiga, o vestido preto com florzinhas miúdas tão perfeito pros cabelos de fogo, o amor do meu então amor, olhos velhos, sorriso franco, botas, mãos trêmulas. Foi com a Helena que eu conheci o ciúme que dói doído no meio do peito. E foi com ela que chorei soluçado numa cobertura da rua Maranhão e entendi o que é ser atriz. Depois o ciúme morreu, que eu queria sentir só o amor simples e admirado. Cantei numa fita cassete quando o Carlos nasceu, hoje deixo o sol entrar, que é o que acontece quando Helena chega.

O Sérgio eu vi a primeira vez no Arena, O nome do sujeito, e meu peito caiu voando, era aquilo que eu queria ser. Santa Joana, A comédia do trabalho, Danton, Mercado do gozo, Equívocos, Visões siamesas, Maria, Georgette, Ney, Gustavo, Débora, Marcio, Walter, Lincoln. Mas a minha vida é de roldão, sempre um milhão de pratinhos nas varetas finas, rodando, caindo – sobretudo caindo, e eu cataploft, sanguínea, sorriso na cara de olhos derramados. Aquilo era o que eu nunca seria, a saudade do que eu não fiz, os sonhos de que escapei.

Ontem eu cantei pros 25 anos do Latão e eu fui arremessada pra longe-longe, fiquei boba como se não tivesse 49 anos, 30 deles em cima do palco. Vocês não sabem, mas o Latão é fogo e ferro na forja do que eu entendo por poesia. O que eu quero dizer é que mesmo eu não sabendo o meu tamanho, tenho a exata medida do que vocês são pra mim. Saibam que estar na sala de ensaio com vocês tem sido ouro sobre azul, areia movediça, espelho esmeralda, blim blim de orvalhada. Mas eu sou ridícula como as minhas cartas, dramática em demasia, e péssima atriz.