sábado, 31 de março de 2007

torre-abaixo

Na manhã em que reconhecerás a prole, a espera ansiosa e sorridente, junto com a lembrança tua, despencam-me dos saltos: tombo ridículo, luxação no peito (do pé!), gesso por 6 dias. Agora ando de muletas com a elegância de uma gaivota manca. Mas o coração vai altivo, com um alegrinho-de-menina: cuidas de mim como de uma princesa desencastelada.

quinta-feira, 29 de março de 2007

carta rosa

Rosa. Formosa. Vaidosa. Amorosa.
Em tuas mãos transformo-me em mim mesma.
Reinvento meu nome como fosse desde sempre este, cresço em meus olhos grandes e me torno a mulher que sempre fui, subo em meus quadris e ergo o peito para desfilar ao teu lado como um reencontro com o caminho certo, dedico os meus dias e meus versos para ser por ti cuidada com esmero, a flor que te entreguei no primeiro dia.
Quero perder-me em teu labirinto. Quero fazer-te belezas. Quero povoar nossas manhãs. Quero desenhar nossos contornos e nossas paredes. Quero minhas mãos envelhecidas dadas às tuas. Quero o teu-meu devir. A mesa posta, a cama pronta, as janelas abertas, um dia depois do outro e a imensidão, cada coisa em seu bonito lugar.
Como foi predestinado no dia em que meu olhar pousou no teu e o teu desandou meu discurso, no meio da confusão da cidade, e o tempo se esqueceu por um átimo de existir.
És meu barco e meu porto: de onde parto, chão em que me movimento, lugar pra onde deverei sempre voltar.

terça-feira, 27 de março de 2007

ridiculinha, 14

amanhecer:
saber que o amor estará sempre aqui devia ser suficiente, mas eu sei que não é.
não esqueça: a tua grandeza ensinou-me a esperar o caminhar do tempo.

ridiculinha, 13

noite:
a pior de todas as dores é a dor do outro.
ninguém deveria ter de causar a tristeza.

segunda-feira, 26 de março de 2007

pra ensolarar

(...)"Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro da sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do seu sossego.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair do seu pensamento.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Cismar é quando o desejo quer aquilo apesar de tudo.
Apesar é uma dificuldade que não é grande o suficiente.
Dificuldade é a parte que vem antes do sucesso.
Sucesso é quando você faz o que sabe fazer só que todo mundo percebe.
Antes é uma lagarta que ainda não virou borboleta.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer, mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
(...)
Alegria é um bloco de carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você mesmo e se empresta para os outros.
(...)
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas geralmente não podia.
Perdão é quando o natal acontece em maio, por exemplo.
Exemplo é quando a explicação não vai direto ao assunto.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Beijo é um carinho que serve pra mostrar que a gente gosta daquilo.
Gostar é quando acontece uma festa de aniversário em seu peito.
Amor é um gostar que não diminui de um aniversário para o outro.
Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro...
Uma batelada?
Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina..."
(parte do "mania de explicação", de adriana falcão; pra dizer exato aquilo que não saberia escrever de outro jeito.)

sábado, 24 de março de 2007

ruminessência colaborativa, 2

da série poesia na rua, ou aforismos, ou cardápio...
A determinação deve basear-se numa união da força com a amabilidade.
(bilhete de sorte no biscoito chinês)

sexta-feira, 23 de março de 2007

carta vermelha

Senhor meu,

espiar pelas frestas, escorregar pelos cantos, abusar do direito inalienável do desvio são com certeza coisas que desejo com ardor. E neste sentido, o discurso clandestino deixa na minha boca um gosto de puteiro da década de vinte, me sinto com os lábios rubros e úmidos das cortesãs, com seus decotes fundos e seios fartos, as rendas nas calcinhas proibidas, as coxas de encher as mãos curiosas e perspicazes, e sobretudo a inteligência daquelas que sabem ser a cada dia uma outra mulher. Por isso, prezado Senhor, escute nas minhas palavras oblíquas o sussurro proibido de uma meretriz, tão carmesim quanto as luzes da casa e tão infernal quanto a minha presença na tua vida.

Exalando a alfazema dos banhos matinais das mulheres de vida fácil, misturado com o cheiro fresco dos lençóis limpos e roseados que esperam o corpo do próximo homem, despeço-me agora e espero-te em breve.

quinta-feira, 22 de março de 2007

carta ao prefeito, 3

Nossa excelência,
Viva o encontro (taí a minha postagem anterior - como diz nosso ruminante, na sincronicidade), que certamente é das coisas mais lindas que podem acontecer, porque ter gente boa por perto faz da gente gente melhor. E nesse mundo tão disparatado, desencontrado, só podemos erguer o copo e saudar essa felicidade.
Sim, é muito bom tê-lo aqui. E melhor ainda que seja assim, emocionado e atrapalhado - na disforia nasce muita vez a beleza... Sim, esse troço converge a nossa vida e a nossa casa, fazendo, ainda que estranhamente, que estejamos muito próximos, graças a Deus.
Sim, faremos muitos filhos, casas, asas, cidades, anitas, pastos e rosais, reais e virtuais, ridículos por natureza, formosos por necessidade, doloridos por condenação, pois que escolhemos e merecemos viver.
Estamos juntos, e vamos de mãos dadas.

encontro

E pensar que passei mais de ano sem conversar.
Mas a felicidade dos amores verdadeiros é saber que a qualquer momento tudo estará ali, fresco, como se não houvesse distância ou tempo. O café com leite quente, o abraço conhecido, o sorriso desavisado, o peito aberto, a palavra sem medo, o conforto. Tudo ali, preservado precioso, como a manhã da nossa infância cheia de alegria e tristeza. A partilha dos olhos. A beleza da confissão. A imensidão da confiança. A flor que também é cicatriz.
Porque é minha irmã de sangue e sobretudo de alma, afeto construído no diverso, no transverso e no reverso, aquela a quem confio os meus filhos e minhas mãos, amor andante, pra-sempre e inconteste.

quarta-feira, 21 de março de 2007

ela, 2

ela chora sob teu corpo: uma mulher com mãos e sonhos de menina.
ela grita dentro dos teus braços: uma menina com desejos e ancas de mulher.
ela renasce diante da tua boca: uma virgem com pernas de prostituta.
ela desaparece em tuas palavras: uma vadia com passos encantados.
ela aceita o teu desígnio: olhos de sentinela, ouvidos de sereia, tempo reinventado, verdade e beleza, coração encarnado que encontra, finalmente, seu lugar.

terça-feira, 20 de março de 2007

ridiculinha, 27

roseana:
minhas mãos ainda sabem costurar pétalas
tez tecido ponto trama véu casa fresta urdidura filigrana delicadeza
na travessia.

segunda-feira, 19 de março de 2007

sexta-feira, 16 de março de 2007

ridiculinha, 11 (para anita)

caleidoscópio:
no fim do túnel olhos de gato dançam num rosal sem fim
trá-lá-lá colorido ordenado, fundo branco de gentileza inesperada;
dizem que é mentira-ilusão, mas eu sei, tu sabes, é tudo verdade.

quinta-feira, 15 de março de 2007

algorítimo

confiança responsabilidade escolha carência tempo correspondência presença sabotagem espera atitude sacrifício inércia certeza falta desejo verdade asserção direito submissão demanda luxo abandono dúvida discurso mentira perda amor
(27 palavras = 12 pares + 2 transitivas + 1 plena)
para os seres em zigue-zague, o ideal é comprar uma máquina de costura.

quarta-feira, 14 de março de 2007

ridiculinha, 10

labirintite:
cuidado ao entrar em casa
cadeiras, mesas, pessoas e gato de pernas pro ar.

terça-feira, 13 de março de 2007

carta azul

A saudade é minha amiga, meu senhor, ou mais propriamente talvez, minha senhora. Sinto muita saudade, das coisas que não vi, daquelas que não vivi, das outras que perdi. E a saudade pode alimentar o espírito, nos fazendo tristes o suficiente pra querer a felicidade, descontentes o suficiente pra querer a inteireza, insatisfeitos o suficiente pra querer sempre um pouco mais de vida. Mas ela pode, cruel, tornar-se nosso algoz, o guardião da cela, aprisionando nosso coração num tempo e num espaço que não voltam, invariavelmente não voltam mais. E aí, ela corrói devagar como cupins no concreto: quando nos damos conta, a casa ruiu.

Por isso, senhor, não deixemos secar a vindima: na distância, peço que imagines.

Um quarto, a luz entra pelas janelas de folhas abertas ofuscando os olhos de quem entra pela porta. Cobrindo-as, cortinas quase inexistentes, leves como a brisa que as atravessa, num tremidinho de moça virgem. Sobre a cama de madeira, a colcha ainda branca, o barrado solto que acaricia o chão de tábuas largas e escuras que conhecem tantos passos. Sobre a colcha, o mesmo vestido da mulher feminil que ainda sem a roupa que a espera seca com o pano áspero e branco os cabelos, os seios e as ancas que se preparam, e, lentamente, acarinha seu próprio corpo como se fosse o de outra, e antecipa o não-gesto do homem qualquer que daqui a pouco entrará intempestivo pela porta e levará dela toda sua gentileza. Os joelhos e as coxas soltas oscilam e devagar escancaram-se para receber os braços agora caídos que caminham para entre as pernas úmidas e pesam tontos, e as mãos frouxas roçam a pele querendo não encostar, e os olhos se fecham no vento da tarde que entra assim de repente, bagunça os cabelos e as cortinas, inunda o mundo inteiro com seu cheiro misturado de flor e sexo.

É assim que te espero hoje nos meus sonhos, senhor meu, sem aquele vermelho, mas com esta claridade, doce e frágil, uma mulher que espera. Mas o corpo é ainda fácil, ainda despido, ainda teu.

segunda-feira, 12 de março de 2007

carta ridícula XI

Minha insônia tem teu nome.
Pois que acordo pela manhã, olho os cantos da casa que anda tão largada e procuro teu rosto. Abro o armário e escolho a calcinha que irás despir, os saltos de que irás me derrubar, as saias que te deixarão entrar. Banho-me para ter cheirosos os cabelos nas tuas mãos e macias as carnes que estarão dentro delas. Caminho pelas ruas da cidade e desejo que me encontres surpreso, e me olhes descaradamente com os olhos que desejam uma prostituta. Quero servir-te indefectível como serve uma vadia. Quero que me ames clandestino como se ama uma vagabunda. Quero importunar teus sonhos de amor até que percas a bússola. Minhas mãos agora tremem como se estivesses aqui, dentro de mim, sem nome, sem palavra, sem pejo: dize-me o que queres que te darei inconteste.

sábado, 10 de março de 2007

cacos

Vasculho as fotos da minha infância querendo encontrar a chave. No meio do sábado de maternagem - cinema, cabelo, gibis, sorvete, televisão, presilha - olho nos olhos dos meus filhos querendo um espelho que me mostre o atrás do vão do meu peito. Encontro outros olhos, os meus, desesperadores, e outro espelho, o meu, a menina que quer ser o que acha que querem que ela seja a despeito do que ela é que ela nem saber não sabe, e daí que perdeu-se num sumidouro: o rosto nos reflexos, outro labirinto, e a ausência.
Eu pergunto: como é que faz então?
Ela me pergunta: o que és?
Mulher. Mãe do João e da Luiza. Dona da minha casa e do meu corpo. Amo muito. Canto por necessidade de dizer. Gosto das palavras como das pessoas, preciso delas aqui. Como beleza com olhos e mãos. Temo o abandono. Escolho viver.
Por isso tropeço nas mesmas pedras, sofro superlativo, envergonho sempre, desconfio da certeza, fujo do cuidado, finjo ignorância, erro mais, carrego pedra, prefiro a linha curva, troco de caminho pra não me confortar, conheço o diverso, desperdiço o tempo, quero muito mas quero pouco, desavergonho meus quadris, adoro surpresinha, facilito a carne, sorrio quando choro, falo falatório, presenteio meu coração embrulhado com laço de fita, conservo felicidade infantil, penso derramado desmedido, acredito na alegria do encontro, sinto saudade contemporânea, coleciono cicatrizes, reivento o afeto, tenho fé bruta, encarnada e intransitiva.
Durmo com as janelas abertas pra sonhar com São Jorge e esperar o ensolarado do dia.

sexta-feira, 9 de março de 2007

stela

olha quantos estão comigo
estão sozinhos
estão fingindo que estão sozinhos
pra poder ficar comigo

stela do patrocínio: palavra em estado bruto, a carne do discurso.
stela foi interna psiquiátrica da colônia juliano moreira, rio, por mais de trinta anos. sua fala foi gravada, virou livro de poemas ("reino dos bichos e dos animais é o meu nome", esgotado), depois canções nas mãos de lincoln antonio, e por fim uma ópera mínima, com georgette fadel, lincoln e eu.
entrevista com stela do patrocínio (temporada de lançamento do cd)
de 17 de março a 8 de abril - sábados 21h; domingos 20h
galpão do folias - ana cintra 213, santa cecília, 3361.2223

quarta-feira, 7 de março de 2007

peixe-pescador

O bastante para te pendurar nas minhas beiras, circular meu coração no teu, fundir a carne e a pele. Viver é muito perigoso - requer coragem; amar também.

terça-feira, 6 de março de 2007

escuta

"O ouvido, este órgão do medo, só alcançou tanta grandeza na noite e na penumbra de cavernas obscuras e florestas, bem de acordo com o modo de viver da era do receio... Na claridade do dia o ouvido é menos necessário. Foi assim que a música adquiriu o caráter de arte da noite e da penumbra" (Nietzsche)

ridiculinha, 9

presente:
flores de mão em mão
rosas na pele dos sonhos.

domingo, 4 de março de 2007

vaticínio

Queria um presságio, sorteado de realejo ou sussurrado em quiromancia barata, que me dissesse com certeza: no teu futuro haverá uma casa sólida e grandes janelas; haverá teus filhos na mesa grande, ensolarados; haverá o amor, encarnado como o pôr-do-sol, fresco como a noite, contemporâneo como a cidade, alimentado todos os dias como rosas no jardim.

sexta-feira, 2 de março de 2007

cantos comunicantes

Na cidade o prefeito mínimo-complexo manda habitar o labirinto com o indefectível minotauro que espia certeiro a ridícula prolixa que procura desesperada pelo fio saído das mãos de asas coloridas da ariadne que em anita metamorfosear-se-á logo em breve.

(em homenagem à semana que finda, por ter sido dedicada quase exclusivamente aos pastos, cidades e sonhos vizinhos)

ridiculinha, 8

prefixo:
amar está no meu nome.

sub-texto

E penso depois, adiante, nas modalidades do tempo que não cansa de passar-me a perna: o silêncio que é pausa, a ausência que é silêncio, a espera que nasce no espaço deixado pela ausência, o desespero de quem não sabe o que fazer na espera, tudo isso em mim: Sheherazade ao avesso, ridícula perdida no labirinto. Mas dentro do abraço, um buraco imenso e calado grita aquilo que não carece ser pronunciado.

quinta-feira, 1 de março de 2007

lexapro - oxalato de escitalopram

"Mania
Os ISRSs (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina) devem ser utilizados com cautela em pacientes com um histórico de mania/ hipomania. Os ISRSs devem ser descontinuados em qualquer paciente que entre na fase maníaca.
Suicídio
As experiências clínicas gerais com os ISRSs indicam que o risco de suicídio pode ser intensificado durante as primeiras semanas de terapia. É importante o estreito monitoramento do paciente durante esse período."
Estão todos convocados.