sábado, 26 de novembro de 2011

sincronicidade

abro as cidades invisíveis, no ponto em que deixei na cabeceira, antes de dormir.

As cidades ocultas
2

A vida em Raíssa não é feliz. Pelas ruas, as pessoas caminham retorcendo as mãos, imprecam às crianças que choram, encostam-se nos parapeitos do rio com a cabeça apoiada nas mãos, acordam de manhã com um pesadelo e logo começa outro. Nas mesas em que todos os momentos alguém esmaga os dedos com o martelo ou fura-se com a agulha, ou nas colunas de números negativos dos registros dos comerciantes ou dos banqueiros, ou diante da fila de copos vazios sobre o balcão dos botequins, ainda bem que as cabeças abaixadas poupam olhares tortos. Dentro das casas é pior, e não é necessário entrar para sabê-lo: no verão, as janelas ribombam de brigas e pratos quebrados.

Todavia, em Raíssa, sempre há uma criança que da janela sorri para um cão que pulou num alpendre para comer um pedaço de polenta que caiu das mãos de um pedreiro que do alto do andaime exclamou: "Minha jóia, tem um pouco para mim?" para uma jovem hospedeira que ergue um prato de sopa sob a pérgula, contente de servi-lo ao vendedor de guarda-chuvas que comemora um bom negócio, uma sombrinha de renda branca comprada por uma grande dama para pavonear-se durante as corridas, apaixonada por um oficial que lhe sorriu ao saltar o último obstáculo que estava feliz mas mais feliz ainda estava o seu cavalo, que voava sobre os obstáculos vendo voar nos céus uma perdiz, pássaro feliz liberado da gaiola por um pintor feliz de tê-lo pintado pena por pena, salpicado de vermelho e amarelo na miniatura daquela página de livro em que o filósofo diz: "Em Raíssa, cidade triste, também corre um fio invisível que, por um instante, liga um ser vivo ao outro e se desfaz, depois volta a se estender entre pontos em movimento, desenhando rapidamente novas figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem mesmo sabe que existe".

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

exílio

Datação
sXIII cf. FichIVPM

Acepções
substantivo masculino
ato ou efeito de exilar
1    expatriação forçada ou por livre escolha; degredo
2    Derivação: por metonímia.
     lugar em que vive o exilado
3    Derivação: sentido figurado.
     lugar longínquo, afastado, remoto
4    Derivação: sentido figurado.
     isolamento do convívio social; solidão


quando tudo parecia fácil, como o abrir das minhas pernas.
e agora essas seis ou sete letras batendo na minha cabeça, o gosto salgado, desalinho de planetas no meio do meu peito.
sorteio palavras no dicionário, como cartas de tarô:
carpir
escapulário
escarificar
procatalético
subáptero
vacuidade
...
não encontro. não sei. 
e esse quarto feio, essa luz fria, esse dia desnecessariamente quente.
não há resquício de poesia no reencontro com velhos fantasmas.