quarta-feira, 25 de julho de 2007

carta predestinada

que as noites sejam sempre fartas e límpidas, de enxergar o horizonte e a cidade, e sem fim.

que o amor bem feito e o amanhecer bem perto sejam, ainda que poucos, sempre doces, vadios e urgentes, reinventados e sempre os mesmos - como se a primeira e a última vez.

que meu coração, às vezes leviano, às vezes tímido, mas nunca miúdo, possa estar sempre perto do teu.

meu corpo gosta do teu.

minha alma também.

(senhor meu: reescrevo a carta impúblicavel a ti enviada quando eram outros os tempos, para não esquecer nosso desígnio, o mais formoso, o de amar; para não perder o norte, ou o sul, agora que assumimos o risco; e para dizer, carinho no teu rosto, tudo vai dar certo, porque assim merecemos, maiusculamente)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

do real

... e eu, que fui forjada no afeto, não sei lidar com as coisas corriqueiras da vida, por isso as admiro tanto e as quero tanto, e reinvento a cada instante a sua beleza banal; eu, que fui forjada na beleza do afeto, não sei olhar para a feiúra do dia que não amanhece, não sei encontrar a saída para o problema diário, não sei lidar com o rasteiro que recheia as horas; eu, que fui forjada no agudo do afeto, sofro muito, muito mais do que devia, porque a disforia é a mãe do mesmo afeto, e da adversidade, e da dúvida, e de todas as coisas que não são a certeza, talvez também da covardia; eu, que fui forjada na dor do afeto, quero tudo assim, rápido e agora, geração desgraçada a minha que não sabe do sacrifício inerente; eu, que fui forjada na facilidade do afeto, tenho no íntimo que tudo vai findar feliz como uma brincadeira de criança, como um truque mágico, como um conto de fadas; eu, que fui forjada na falácia do afeto, acredito que sou digna de sorte, minto olhando no espelho, fujo pra dentro dele pra parecer que a mereço; eu, que fui forjada na mentira do afeto, teço palavras para enredar o tapete dos meus sonhos de felicidade que se desfaz frouxo e roto ao raiar da aurora dos dias de verdade, esses que não têm afeto nenhum, não têm beleza qualquer: nos dias de verdade, a régua tem números positivos e negativos, enfileirados, inexoráveis, sem perdão.
Eu, que fui forjada no afeto, não fui preparada para a verdade real: meu coração bruto, meu corpo gentil, minha voz triste, meus olhos imensos talvez de nada sirvam.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

parido

E então, sozinha na sala, rompo o lacre de plástico e o toco pela primeira vez.
Rosa desabrochada em minhas mãos.
Fresco e antigo.
Mínimo gentil.
Claro.
O gesto um pouco impreciso, o sorriso florescido amoroso, o ardido na garganta consecutivo, os olhos completam e deságuam: ficou tão bonito, ô meu deus.
Agora é nascido; e como todos os meus, gestação e parto sofridos.
Agora é o risco.
Que venha.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

pe.risco.pio

(houaiss e seu auxílio luxuoso)

periscópio:

substantivo masculino

equipamento óptico, empregado especialmente em submarinos, que permite observar um objeto ou conjunto de objetos por cima de obstáculos que impedem sua visão direta.

t.risco

trisco:
Acepções
verbo intransitivo e transitivo direto, 1ª pessoa do singular do presente do indicativo
1. meter-se em briga ou discussão, desordem
2. produzir (fogo) com a pederneira
3. provocar leve ruído
4. mover-se ligeiramente
5. roçar de leve, ligeiramente

p.risco

prisco:
Acepções 1
adjetivo
que pertence a tempos idos; antigo, velho, prístino
Acepções 2
substantivo masculino
1. salto para o lado ou para a frente que o cavalo dá quando quer livrar-se do cavaleiro
2. cavalo que costuma dar priscos
Acepções 3
verbo intransitivo, 1ª pessoa do singular do presente do indicativo
1. dar priscos; pular para os lados
2. fugir, priscando
3. afastar-se de algum lugar; retirar-se

quinta-feira, 12 de julho de 2007

concepção

No dia 12 do 7 de 2007 é gerado o risco: parede de vidro, giramundos voadores, flores de plástico, rosas tatuadas, anitas fatoriais, carimbos desautorizados, cavalos investidos, livretos fotocopiados, oratórios pagãos, inutilidades diversas, versos empoleirados, coletivo de idéias, balaio de vontades, garimpo da delicadeza, traço do devir, miolo da cidade, meio da travessia.

Benvindo seja. Afortunado seja. Abençoado seja.

Traz em si, além do nome dimensional, as insígnias alvissareiras dos números e o carinho laborioso das 12 mãos fazedoras.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

a volta

Na volta dos dias de azul quase fictício esperam-me as feiúras de sempre: os papéis anotados sobre a mesa, a letargia do administrador, a pobreza do técnico, a conta no banco, o concreto pintado, a doutora impeditiva, as mensagens irritantes, a persiana empoeirada. Espera-me sobretudo essa vontade cristina: nossa casa de cortinas brancas, os filhos no sol, flores frescas, árvores cortando o céu, estrelas de que quase me esqueci, amanheceres de amor bem cedo... e meus impossíveis vão crescendo enormes e desesperados. Ontem chorei de novo sob seus braços, hoje meus olhos seguem turvados: saudade imensa dos meus, do que ainda não vivemos.

O outro lado do meu peito sorri no entanto e em outra velocidade:

camiseta branca tatuada

pano de prato e poeira no pára-brisa
fogão cosmopolita a cinquenta e cinco

fogo crispado na lareira
segredo gravado na mala de couro

Choro doído porque quero usufruir do direito inalienável de construir nossa felicidade.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

quarta-feira, 4 de julho de 2007

a escolha do nome e suas transmutações pertinentes

apropriação do houaiss, que ensina a não ser literal [

Risco

Etimologia: do lat. medv. risicum/riscum, não raro associado a fortuna; a acp. de 2risco 'traço' poderia derivar dos traços escritos nos eventuais contratos.

Acepções 1
substantivo masculino
2. Derivação: por extensão de sentido. Probabilidade de insucesso, de malogro de determinada coisa, em função de acontecimento eventual, incerto, cuja ocorrência não depende exclusivamente da vontade dos interessados

Acepções 2
substantivo masculino
1. traço colorido e/ou pouco acentuado sobre uma superfície, feito com um instrumento próprio (lápis, caneta etc.) ou um artefato pontiagudo; risca
1.1. (1720) traçado, esboço, debuxo de um bordado, de um quadro, de uma construção etc.
1.1.1. Rubrica: artes plásticas. Esboço de uma obra pictórica, feito com perfis, linhas etc. e desprovido de cores ou sombras
1.1.2. Rubrica: arquitetura, desenho, engenharia. Desenho esboçado ou definitivo de uma construção ainda por fazer ou já realizada, ger. com certos cálculos como a delimitação de área, a metragem etc.; traçado, projeto, planta
2. corte superficial; talho, vergão
3. Uso: informal. Golpe com arma cortante; navalhada, facada
4. Regionalismo: Bahia. linha do horizonte visual

Riscado

Acepções
adjetivo
2. marcado com riscos, para fins de realce ou de exclusão
4. Regionalismo: Brasil. Uso: informal. Dispensado do trabalho; demitido, cortado
5. Regionalismo: Nordeste do Brasil. Uso: informal. Um pouco embriagado; tocado
substantivo masculino
Locuções

entender (d)o riscado.

Regionalismo: Brasil. Uso: informal. Conhecer bem um assunto, ser competente em determinada coisa

Riscar

Acepções
verbo transitivo direto
1. fazer riscas ou traços em
1.1. Rubrica: artes gráficas. Passar, com utensílio próprio, um traço sobre; tachar
2. fazer um esboço, um desenho de; desenhar, debuxar, esboçar, bosquejar
2.1. Rubrica: arquitetura, desenho, engenharia. Fazer um projeto, uma planta ('desenho'); projetar, planejar
3. marcar, assinalar
4. acender friccionando
Ex.: riscar um fósforo
verbo transitivo direto e intransitivo
7. fazer parar subitamente (a cavalgadura)
Ex.: <o cavaleiro sentiu necessidade de riscar>
verbo intransitivo
8. brigar, lutar; provocar
10. Regionalismo: Amazonas. Começar a descer ou a vazar (a maré, as águas de um rio), deixando vestígios na vegetação das margens
11. Regionalismo: Nordeste do Brasil. Aparecer ou chegar inesperadamente
Ex.: nunca avisa quando vem, tem o hábito de riscar
verbo pronominal
12. esvanecer-se, apagar-se, desaparecer
Ex.: é sadio riscar-se da mente as grandes decepções
13. demitir-se
Ex.: insatisfeito no trabalho, riscou-se

risca-de-união

Acepções
substantivo feminino
Rubrica: artes gráficas. Mesmo que hífen ]

terça-feira, 3 de julho de 2007

carta encarnada

Na matemática dos nossos dias, meu senhor meu, sob nossa ordem os números conspiram, de modo que minha inteligência cheia de fé ganha a certeza dos vôos dos pássaros, e então os bons presságios preenchem de rosas vermelhas nossa casa, que já tem e terá as janelas mais ensolaradas, as coisas em seu melhor lugar, os horizontes de ambos os lados, a beleza em cada um dos cantos. E assim, em contagem regressiva e em doce convivência, vamos subtraindo as dores e as lembranças feias, somando as fortunas colecionadas, fracionando o labor, multiplicando as delicadezas, de modo que quando chegar o dia exponencial será como se sempre assim fosse, macio e simples, como um brinquedo antigo que funciona, como uma palavra mágica, um presente, um carinho.

Que sempre haverá noites de amor proibido, meu senhor meu, isso te prometo. Que com olhos cerrados e pensamentos alhures será sempre obediente o meu fazer, quando assim o quiseres, meu senhor meu, isso te juro. Que embrulhado em laços de fita e rendas púberes será sempre o meu segredo para ser devastado, meu senhor meu, isso a ti te oferto. Que prontos e generosos estão e estarão sempre os meus aléns, meu senhor meu, isso te faço saber.

As surpresas que minhas mãos e meus diminutivos sempre tecerão, meu senhor meu, isso a ti te dedico.

Pois que o que me define são teus olhos pousados nos meus. Pois que o que me nomeia são tuas palavras desordenando as minhas. Pois que em ti meus descaminhos ganham norte e história. Pois que minha alegria mora na tua contenteza.

Hoje, ontem, amanhã, desde sempre e para sempre.