sexta-feira, 29 de junho de 2007

ridiculinha s/n

o silêncio.
mais triste e mais escuro do que toda a palavra bruta.
como uma carta vazia.

carta sem cor

Esse gosto na boca, este ardume no meio do peito, esse frio no meio do umbigo. As mãos pequenas que tremem e teimam em não ficar limpas, envergonhadas. Os olhos que crescem, imensam, e não secam - não secam.

Esse medo insuportável de ter arranhado a jóia preciosa.

Essa dor impredicável.

Senhor meu, o discurso enfeia, mas antes de calar, digo desancada: também meu amor é, e pra sempre será, igual intransitivo, diamante puro, raro, único, que não risca, não quebra, não fenece, nunca jamais, mas eu sei, a memória do corpo é às vezes mais forte e precisa de tempo pra ressignificar, e tento aliviar lembrando que a beleza não carece de perdão, só a fraqueza, a pequenez, o desvio, e por isso em desespero feminil imploro, não vamos nos perder.

terça-feira, 26 de junho de 2007

ridiculinha, 26

susto, assombro, medo:
enxergar aquilo que resisti tanto em ver
tão nítido como a verdade que insisti em inventar.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

garimpo

O certo é viver de belezas.
Das que estão nas latas de biscoitos, rosas em relevo, forminhas de papel vegetal.
Das que aparecem de repente e amansam os olhos, caixa de vidro, banco de madeira, flor de lata, copo colorido, oratório velho, pedra, cartão postal.
Das que surgem bailarinas e sorridentes, prateleiras arrumadas, gavetas refeitas, interruptor, chave de fenda, rodinhas, pijama de listras, manhãs amanhecidas com beijo na bochecha.
Das que nascem na simplicidade, na alegria e na desimportância de uma idéia boba, transmutada em coisa de cor, volume e peso.
Das que moram suaves no calor da pele que encontra a outra pele, que se podem ver, que não se podem ver.
Das que encontram um lugar, uma destinação, um prelúdio, um vir a ser.
Das que vão sendo tecidas em variada velocidade e delicadeza com muitas mãos - as minhas, fazedoras, vão assim querendo reencontrar o tempo, reinventar o rumo, costurar o corpo, cerzir.
Certo, certão, certame, certeza, cerzidura, urdume, varal, poesia: vivemos e viveremos assim, enredados em belezas.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

carta púrpura

Depois de dias de silêncio tormentoso, meu Senhor, volto aqui rapidamente, um bilhete em desmesura: vestirei os saltos altos e as roupas desclassificadas; caminharei entre tuas mãos com desejos explícitos e devoção ignorante; servirei-te como servem as mais baixas criaturas aos seus senhores; elevarei as mãos aos céus agradecendo teu desprezo e tua fome; sentirei desconexa o desacerto das palavras e a rispidez do gesto; calarei sorrindo quando, depois do tapa, acarinhares saborosamente meu corpo marcado.

Pois que meu amor por ti é tão santo quanto pornográfico: nada me custa oferecer-te a outra face.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

datas comemorativas

Vou em busca de uma notícia alvissareira. Acabo num sítio de datas comemorativas, alento absolutamente ridículo (condizente com meu prenome) para dias de angústia extrema, como hoje. Hoje, descubro lá, é dia da marinha brasileira, e imediatamente navegam em meus olhos marejados palavras marítimas como cais, porto, imensidão, tempestade, maresia, travessia: que bom, aqui estás, meu barco de ir para o além, graças aos céus, isso há de ser uma boa-venturança. Mas além disso, descubro lá que hoje é dia do educador sanitarista e então um silêncio continental em espiral de tornado toma de assalto meus discurso epifânico, faço esforços anagramáticos e nada, ensaio digressões, mesmo as mais indignas, e nada, associações livres não me ajudam, nada me ilumina, minha fortuna por um fio, putaqueopariu, de nenhuma maneira consigo partir do educador sanitarista e chegar a ti pra ter enfim a certeza de que meus presságios estão equivocados e que, é claro, tudo vai dar certo.

Mas eis que um furacão branco em forma de números me socorre: sanitarista tem 11 letras, hoje é dia 11, e na soma, 22; o dia e o mês somados dão 17. Olho no relógio, 7:27 pm; o memorando em minha mesa data do dia 17/2/2007, e amanhã é dia 12. Pronto. Aí estão, nossos algarismos da certeza. Sossego, já posso voltar pra casa.

ela, 3

Ela me coloca medo. Tão bonita ela, cheia dos pequenos defeitos de que gostas. Ela me faz triste por dentro do meu vestido preto, escurece meus os olhos grandes, me faz estranha como a tarde de hoje, um dia todo estranho, muito estranho. Ela me deixa feia, apesar dos sapatinhos lindos que ostento nos pés pequenos, elogiados por todos na festa de aniversário ainda mais estranha que a trouxe ao andar, visitante. Então ela me visita e bota um tremor na ponta dos meus dedos um pouco descuidados, bagunça meu discurso nesse dia que não parece mesmo um bom dia, derruba meu sorriso e me faz literal-ridícula, faz ameaça com sua tez branca e sua juventude inteira. Daí eis que retorce no meio do meu peito aquele nó apertado que faz tempo não aparecia por aqui. Literal e ridícula eu, eu sei. Eu sei, uma tolice, tão real quanto despropositada.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

silêncio

(tem vezes que um vazio enorme pendura no bico da pena, e sai nada pra dizer; não é mau-humor, é só um ponto-final grande, maior que o começo da frase, sem poesia qualquer: O medo O, maiusculão. Ô meu deus, não me abandona, por favor...)