quinta-feira, 23 de maio de 2019

cartografia 6

A verdade é que nós estamos fodidos para caralho. Ontem peguei um táxi e o rádio estava na Jovem Pan; fiquei ouvindo, entre o pavor e a curiosidade mórbida, por uns 30 minutos, um programa de humor e política. E a única certeza que eu tenho é esta: nós estamos muito fodidos. Na merda mesmo, chafurdando, afogados, cocô em todos os buracos e teimando em acreditar, alucinados, que ainda tem alguma saída, mágica ou lógica. Mas depois dessa meia hora... não, não tem. Nós estamos fingindo que não, mas estamos fodidos. Deprimidos. Exaustos. Desesperados. Com medo de não ter dinheiro, trabalho, palco, fôlego, voz, corpo, espírito, velhice, espaço, tempo, filhos, emprego, comida, cachaça, café, cafuné, abraço, cigarro, escola, universidade, bolsa, aluno, instrumento, lugar. Uma falta de mil palavras. Não tem mais lugar pra gente. Gente que nem eu, corpo, alma, espírito, gesto, afeto, alegria, amor e poesia. Saí do táxi como quem sai do liquidificador.

Cheguei no terreiro. Bati cabeça, cantei,  dancei, entreguei o corpo, dei passagem, recebi, ofereci. Imediato, a mensagem: isso tudo é verdade, e ainda assim, não é motivo pra des-viver. Te vira, Juliana. Você não é fogo, não é água? Respira, faz a curva e vai achar a leveza.

Minhas articulações não dóem, o que já é alguma saúde. Mas todos os meus músculos gritam, reclamam sua existência. Menstruei hoje e vou ter enxaqueca, certeza. O dia é cheio e vai longe, eu de novo na travessia.

Mas nada disso tem importância.

Pára tudo e vai ouvir o disco do Douglas Germano. É sério: Escumalha. Flecha de caboclo, pedrada de Exu. Canção que atravessa e ilumina o escuro da morte, pra nos salvar do desencantamento.

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