sábado, 18 de maio de 2019

cartografia 5

Ao final do quarto dia dançando, pela primeira vez eu sinto prazer. E um silêncio toma conta da minha alma.

Pausa.

Há 15 meses fui pra uma gira de passe e consulta num terreiro de umbanda, e como em outras vezes em outros lugares, fui tomada - admiração, surpresa, reconhecimento, compaixão, generosidade. Como das outras vezes, algum tremelique no corpo, a vontade solta de chorar, um descabimento e certa ansiedade. Mas naquela noite de fevereiro eu fui invadida subitamente por um amor de uma qualidade inédita pra mim, e, diferentemente das outras vezes, eu abri a guarda. Meu joelho soltou. Minha cabeça sumiu. Meu corpo cedeu. Eu virei. Não foi exatamente bom, não foi como eu imaginava. Foi absoluto. Um espanto, uma honra, uma verdade. Naquela última sexta-feira calorenta de um fevereiro quente, pelas mãos da Pombogira Maria Padilha da mãe Trícia, eu encontrei meu ilê e meu congá.

De lá pra cá eu significo e ressignifico, diariamente, as palavras entrega, confiança, amor, justiça e verdade. Devagarinho, com devoção e humildade, entrego meu corpo à passagem mais formosa, que vem de muito antes e vai pra muito além. Sou parte. Sinto a sombra e a luz, seus contornos difusos ou precisos, misturo, digiro e ofereço, elevo e assento, firmo e assopro, macumbo, trabalho. Eu trabalho. Trabalho muito pra entender, com todas as fibras de que sou feita, que tamanho é o tamanho da alma.

Volta.

Ao final do quarto dia eu reencontro o prazer silencioso de constatar que tudo é a mesma coisa. Sou e estou para a poesia. Meu corpo real é pesado e é passarinho, feito de água, vento e música, e está a serviço.

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