quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

funcional

O grande amigo lhe diz: fica tranquila, essa é a única firma que, a despeito do que seus funcionários façam, não vai nunca à falência; faz seu trabalho direito, dedica o tanto que seu salário vale e guarda o estômago e a força pros outros 90% que importam.
Ele está certo.
O problema é que a comissionada precisa mostrar serviço senão perde o emprego.
Nessas circunstâncias não é de se estranhar que adoeça vez ou outra. Que se sinta imensamente incompetente de vez em quando, minúscula no meio do castelo. Que hora dessas acabe matando orgulhosa e valente um daqueles barrigudos desprezíveis que ligam o foda-se porque a firma nunca fecha.
Porque ainda acredita que deva haver um respeito monumental pelo que é público (afinal de contas não é isso que nos diferencia dos macacos, cacete?) e isso deveria ser suficiente para fazer desse o trabalho mais formoso.
Porque não é afeita a todas e quaisquer concessões, aliás, aprendeu que o certo mesmo é não fazer nenhuma.
Porque tem pra si que a forma e o conteúdo se não são a mesma coisa são coisas muito parecidas, e isso ali é quase como falar sânscrito.
E porque ao mesmo tempo sabe e sente que seu tempo, esse que lhe escapa entre os dedos, é tão mais valioso.
E daí a conta fica então difícil de fechar.
E sofre.
Mas a firma não vai à falência, não é?
Respira fundo e volta aos processos nas capas de plástico gordurentas: tem, no fundo da garganta, alguma vergonha do que se tornou.

2 comentários:

Anônimo disse...

Agudo texto, que reprova o reprovável, mas que generaliza...nem tudo colapsou...
Independente da idéia, gosto da forma como vai construindo (ou será desconstruindo?)- o que a gente sabe - com nenhum lirismo, embora com muitas "semi-metáforas"...
Responde o requerimento:
Vale adoecer? Vale matar o barrigudo "morto"? Que é mais minúsculo senão o castelo? Há tempo valioso? Todos expiram...
As vergonhas já não estavam à mostra quando Cabral chegou?...
Foi mal aí, o texto me provocou...

Anônimo disse...

O Grande Demiurgo nos dá as forças e as tarefas a cumprir. Só não devemos desperdiçar as forças com as batalhas perdidas, porque outras há que podem ser ganhas e precisamos das forças. Não é uma questão de agir como eles, não é se lixar pras coisas. Se queremos fazer alguma coisa que valha a pena na vida, a primeira tarefa é distinguir o que pode ser mudado e o que não pode. A primeira tarefa do revolucionário é o pessimismo. Mas compreendo que doa. Falo, mas falo olhando as cicatrizes que teimo em colecionar.