quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

carta ridícula III

(que eu só sei mesmo escrever cartas de amor... mais uma, vai)

pedras

Meus olhos estão secos como pedras.

Nenhuma lágrima, nenhuma única lágrima.
O que será isso, eu que tenho os olhos sempre grandes e sempre molhados. Empedrados. Assustados. Acho que eles nunca estiveram tão enormes, parece vão cair do meu rosto, eu vou cair de mim, meu peito arde como uma queimadura. Meu coração está anoitecido como este dia de hoje que parece que não amanheceu, sem sol, sem calor, sem frio, nublado como eu.
Mas secos, secos como pedras.
Queria te dizer só umas coisas, palavras de finalmentes, com o perdão antecipado pela insistência, e pois que depois recolho-me, esforçada, no silêncio:
Ninguém passa pela vida de outra pessoa impunemente. Aprendi contigo porque me ensinaste que os filmes que eu gosto são meus, as músicas que eu amo são minhas, são parte da minha história, eu me aproprio dessas coisas e elas ficam sendo então a mim pertencidas. De um jeito torto, as pessoas também estão nesse balaio, não elas em si mas aquilo que vivemos com elas; o que nós dois vivemos, e já falei muitas vezes desse assim, são coisas minhas que vão colocadas no canto mais quente do peito com cuidado pra não quebrar.
Só que
um filme a gente vê de novo, um disco a gente ouve quando quer, encomenda se não tem na loja e depois de esperar um pouco ele chega, e daí vive de novo aquilo, tem vezes que com intensidades diferentes, e outras (os grandes filmes e discos da nossa vida) a gente vive sempre com a mesma força, recriada ali e revisitada, como se sempre a primeira vez. Com a vida e com as pessoas não dá pra ser assim, né, viveu está vivido-cabou-se-e-ponto-sem-vírgula; só sobra a memória que fica não na cabeça mas no corpo - o frio na barriga, a saudade do carinho, o cheiro que volta de repente, um gosto que fica na boca, o sonho enganador que traz de volta o peso do teu corpo sobre o meu, te traz pra dentro de mim, e me acorda taquicárdica e quente no meio da noite, enfim.
Por isso que eu digo, não tem como passar pela vida do
outro impunemente, porque eu tenho a ti dentro de mim, quer queiras quer não queiras, e isso carrega sua beleza e também sua dor. A beleza está e sempre estará aqui. E a dor também, por enquantos, é essa dor que arde agora.
E por fim, tenho que te dizer que eu teria te dado tudo que tinhas me pedido, qualquer coisa, uma casa, um filho, o mundo, meus olhos, meu corpo. Talvez esse tenha sido meu erro, apesar de todos os teus avisos e teus sinais eu não quis o meu resguardo. Mas eu sou assim, meu amor é generoso, é a caixinha de ensolarar, são as minhas delicadezas minha parte melhor.
E porque a dor vai passar, declaro de coração em riste que faço questão de te ter na minha vida, e já que é assim, posso dizer então que não vou te perder - estás aqui, e isto é tão formoso quanto incontornável.
Meus olhos estão querendo chorar agora, finalmente, chorinho fino e doído, escondido, envergonhado, pequeno, mínimo.
Lá vou eu.

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