quarta-feira, 23 de setembro de 2020

cartografia 37

Os projetos que desenho ficam tatuados na fina película que envolve minha medula espinhal do cóccix até onde a primeira cervical quase roça o osso occipital. É este mesmo tecido invisível que conforma os desejos, que têm por modo de operação subversiva o ardil da liquefação, dissolvendo-se dissimulados na corrente sanguínea para alcançar, quando menos se espera, os pequenos lábios, as pálpebras e seus líquidos umectantes, os tendões dos joelhos, até infiltrarem-se nas pontas dos meus dedos, que desenham. 

Projetos são garrafas ao mar. Muitas restam emudecidas nas areias profundas dos oceanos escuros. Tantas se estilhaçam chegando à praia e suas palavras escritas em papel fino afogam-se indecifráveis. Poucas completam a travessia, presente que deixa pegadas na areia. Desejos são pegadas de flores escondidas entre as páginas do livro preferido; teimosas, insistem o perfume, sobrevivem às intempéries, agarram-se na carne da memória, voltam sempre. Entre as garrafas e os olores obstinados mora o desígnio insondável que-o-gado-vai-ao-poço.

Na posta restante do meu coração dançam juntas, aos rodopios, três palavras mágicas - ora amantes, ora impossíveis:

Desenho: arte, plano, representação. Do latim "designo,as,āvi,ātum,āre": marcar, traçar, notar, desenhar, indicar, designar, dispor, ordenar; e derivado do latim "signum,i": sinal, marca.

Projeto: plano, esperança, arremedo, predeterminação, intenção, trabalho. Do latim "projectus,us": ação de lançar para a frente, de se estender, extensão.

Desejo: impureza, capricho, prazer, vontade, intenção, necessidade, pedido, esperança. Palavra de origem obscura, provavelmente do latim "desidĭa,ae": estar/permanecer sentado; mas com evolução semântica para o ócio, donde as acepções: inércia, indolência, repouso, prazer.




Nenhum comentário: