segunda-feira, 1 de julho de 2019

cartografia 12

Escreve. Apaga. Escreve. Apaga.
Às vezes o esforço de juntar tudo, de ser coerente, ter unidade, fazer poesia, é impossivelmente difícil. Às vezes fica tudo quebrado mesmo, e o peito ardendo sem entender, sem gostar, sem aguentar. Às vezes não vale o trabalho.
Eu tenho sentido muito medo.
Apaga, escreve, apaga, escreve.
Tenho saudade de escrever à mão e ver meus riscos, rasuras, substituições, as palavras que vão se empilhando, as frases sujas, períodos confusos trocando de lugar com setas, parêntesis, uma reescritura exausta, sobreposta, caótica. Na escrita higiênica de computador as dúvidas, tropeços e erros simplesmente desaparecem como se nunca, como se só as certezas, isso é um horror. Diz que tem um aplicativo que tenta imitar isso aí, patético. Não sei mais como é a minha letra escrita, ela está ficando ilegível.
Escreve, apaga, escreve, escreve, apaga, apaga.
Uma vez minha analista me disse que sou uma mulher cindida. Outra vez ela me disse que preguiça é a palavra mais odiosa que existe, porque desrespeita o tempo que as coisas precisam pra existir crescer amadurecer morrer dentro da gente, e que não fazer nada não quer dizer que nada esteja acontecendo. Ela disse isso? Eu lembro disso?
Escreve, apaga, apaga, apaga. Escreve.
Eu não quero ser invisível.
Eu quero que este medo vá embora.
Meu corpo está maior e menor, em pedaços.
Eu preciso cantar pra não morrer.

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