domingo, 23 de junho de 2019

cartografia 11

Em alguma camada subterrânea da pele vive o mapa dos trajetos que se perdem, das travessias interrompidas, da vida que resta derramada desde os desencontros. Linhas molhadas e carmim riscam arcos invisíveis que mantém conectadas as veias pulsantes dos amantes apartados, para além da dor e do amor.

Isso eu sei porque meu corpo não esquece.

A voz que eu não lembrava preencheu 8 anos de distância e em 2 segundos era tudo de novo igual do lugar onde paramos. O cheiro. O encaixe perfeito do abraço – minhas mãos dando a volta toda na sua cintura fina e a lateral do seu peito perfeito roçando o lado de dentro do meu braço. O ciúme violento, o diálogo ligeiro, caótico. A mão na barba dele e no meu pescoço. O coração descompassado, a calcinha úmida. Ele, longe de mim e igualmente desesperado, controlando o passo pra não voltar ali no meio de toda a gente e roubar-lhe o beijo na boca demorado de que temos tanta saudade. Meu corpo afastou-se desorientado e foi automático chorando pro ponto de ônibus, e dalí seguiu pulsando pra sala de dança pra viver outro alumbramento.

Um corpo africano e deslumbrante que ensina este meu corpo brasileiro cheio de inevitáveis e horrorosos privilégios a dançar. Generoso, simples, leve. Na travessia, no tambor. Eu não tenho palavra pra descrever, e isso me preenche de certezas.

O corpo pressente, predestina.

Em alguma camada subaquática do meu corpo reside um mapa que registra os percursos dos meus amores, dores e alegrias, desenhando rios convulsos que correm pra minha boca, meus olhos, minhas mãos, se espraiam sob minha pele fina, conformam meu gesto, me são.

Meu corpo é feito de água.

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