segunda-feira, 17 de junho de 2019

cartografia 10

Eu trabalho 24 horas por dia. Eu trabalho quando acordo, quando vou dormir, se cozinho, lavo louça, enquanto costuro um vestido azul, ao escrever um textinho desses aqui, ridículo. No coletivo enquanto olho e escuto a cidade. No domingo, jogo de futebol e sofá. Quando desenho pra mim e pros outros, e quando a folha ainda está em branco. Quando não leio aquele livro dormindo na cabeceira. Quando sonho. Quando canto, se silencio e sempre que choro. Quando não danço, se eu fujo e quando sofro (sempre sofro). Quando firmo a cabeça, canto o ponto, acendo a vela, rezo. Eu trabalho.

E isso é parte de uma constatação simples: eu escolhi. Não reclamo, não me vanglorio, não descanso, não desisto. Neste momento, enquanto escrevo e espero a água ferver pra cozinhar mandioca, eu choro e sei, inteiriço, que assim que é, simples e bruto como uma pedra. Eu coloquei meu corpo a serviço da poesia, e isso tomou conta dos meus ossos, do meu sangue, da água que corre no meu corpo, do ar que entra e sai dos meus buracos. Meu corpo trabalha e isso é indomável.

A arte, eu aprendi, é a manifestação da alegria no trabalho. Eu trabalho.

Trabalho é verbo, portanto movimento – rodopio, salto, mergulho, profundeza, superfície, altitudes, gravidade. No atravessado e na travessia. Durante, enquanto, no infinito percurso entre dois instantes, dois músculos, duas notas, duas sílabas. Trabalho não é substantivo, e não tem pronome possessivo que o enfrente.

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