sexta-feira, 14 de novembro de 2014

carta humoral

meu corpo é feito de água.
minha pele não é macia. é líquida.
enganam-se os homens, as moças, os astros: sou aquática.
não sou forma, tenho fôrma.

só que derramo por todos os buracos, escapo, escorro, meu corpo não é recipiente, não me estanca, não contém.
sou vazante.
enchente.
naufrágio.
deriva.
redemunho.

tudo em minha volta é afogamento - mãos, palavra, quadris, canção.
e minhas moléculas resilientes forjadas na dor e no afeto guardam a memória das encarnações.
sou orvalho envelhecido.

o que me molda são tuas patas, meu senhor meu, teus pequenos olhos azuis de profundeza e infinito, teus humores brotando de todos os poros para dissolver e acalmar os meus, nosso tempo sem paredes, nosso desejo compartilhado, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, por todos os dias de nossas vidas.

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