sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

da memória, número um

visitamos meia dúzia de casas que eu sempre quis uma casa, e havia aquela com portões de chapa metálica pintada de amarelo, um sobradinho, no térreo a primeira porta que dava pra cozinha ensolarada acompanhada de um terreiro de cimento, e preocuparam-me os azulejos todos esburacados por armários que lá estiveram, eu bem quereria as paredes limpas e um guarda-pratos como o da minha avó. a porta da sala era mais pra adiante no corredor lateral que ia até o fundo, e abria para tacos grandes cobrindo o chão da sala retangular, a mesa de jantar não cabia, logo vi, mas janelas no fundo tinham vista voadora, quase generosa, e fingi que não pecebia. a escada estreita no lado oposto levava ao mezanino superior com três quartos, um deles tão pequeno que nada servia e eram dois quartos e meio na verdade, quase uma enganação. na parte mais de baixo ao fundo era o quintal e a lavanderia sob a laje da sala, que aproveitava a inclinação do terreno, as crianças até poderiam brincar, quem sabe um cachorro e um pouco de grama, uma horta, uma piscina de plástico, uma sombra de árvore.
inventei que podia ser feliz.
e apesar do preço impossível, do financiamento inexistente, da ajuda familiar fictícia, do bom futuro falso, desatei a embalar as coisas como houvesse data pra mudança, arrastei móveis, mal cobri o chão de plástico, desparafusei os espelhos dos interruptores, e providenciei nas paredes uma pintura ruim pra melhorar o preço da venda, nas portas, rodapés, batentes e janelas uma cor bege e estranha, sobra de tinta esmalte brilhante de não sei onde.
o filho tinha olhos imensos, e sonhou. a filha morava aqui dentro de mim, e como sempre sabia de tudo.
os espelhos foram recolocados meses depois, com olhos inchados e sangue nas mãos.

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