segunda-feira, 13 de julho de 2020

cartografia 33

Eu não tenho nada bonito pra dizer.
Meu corpo está exausto, as vísceras empedradas, tudo nele dói e eu deságuo ao menor sinal de movimento.
Vasculho este álbum de retratos cheio de sorrisos, canções, encontros virtuais há dias e me pergunto como conseguem. Invejo talvez a capacidade de adaptar-se às telas e fones de ouvido minúsculos e som precário, e de seguir encontrando jeitos de seguir existindo animadamente nesse outro lugar (isso é um lugar? um tempo? um mundo?).
Minha inveja é sincera, juro.
Porque eu não consigo. São 120 dias de clausura hoje, e a constatação aterradora é a de que eu não me acostumo.
Com meninas que se suicidam. Com encontros sem abraço, música sem corpo, a voz que não encontra minha pele, um palco sem cadeiras e pessoas sobre elas. Com um coturno de um homem sobre o pescoço de uma mulher preta. Com as mais de mil mortes todos os dias, há muitos infinitos dias. Com a fome e subnutrição a que está condenada boa parte da população mundial. E todo o desperdício de vida, sorrisos e canções que isso significa.
Eu não me acostumo. E nem quero.
Talvez eu não tenha tanta fé. Talvez não vá me reinventar. Repito que não acho que nada de bom vá brotar deste buraco escuro, frio e úmido em que nos enfiamos.
Hoje nenhum mapa ou carta ou camada subterrânea me salva do naufrágio.
Eu estou exausta e não tenho nada bonito pra dizer.

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