segunda-feira, 8 de outubro de 2007

carta noturna

Quisera fossem, senhor meu, apenas noite nossos dias.
Debaixo do sol, senhor meu, as dobras no meu rosto aparecem e mostram a dor, o passar dos anos e as coisas que insistem em não passar; minhas mãos tremem diante do insucesso que não cansa de me derrubar em profundo desespero, este que me faz cantar chorando baixinho pra que Deus não me abandone, por favor, fica comigo; minhas pernas fraquejam, meu ar desnorteia, não como, não resulto, não consigo. Sob o dia, tudo aparece, ensurdecedor, e eu realizo que não vou aguentar. Minha derrrota, hoje sei, é diurna, inexorável e solar, zomba de mim com seus dentes claros e seus números perfeitos.
Mas escondidos do sol todos nossos anseios sobrevivem, vivem intensos em floradas escuras sucessivas e sorridentes, e minha certeza me reencontra entre teus braços macios, em tuas mãos pesadas. Nosso protetor aparece pra nos guardar, cavalgadura lunar. Nossa rosa ganha brilho e define sua luz escura, brilhante e inútil. Nossa alegria conquista toda a pele, sem limite, sem tempo, sem fim.
À noite sou feliz porque sou tua mulher, tua prostituta vadia, tua outra, tuas muitas e quaisquer. Assim, sou eu mesma.