quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

carta ridícula VIII

teu presente
Há dias, amorosa, coleciono vontades pra te ofertar. Coisa que gosto é dar presente: dos bilhetinhos em papel escolhido e letra caprichada aos arroubos mais ferozes de consumo, são meu repouso. Aliás, que lindeza da palavra, dar presente, escolher o presente, receber um presente, entregar o presente, embrulhar o presente pra ficar bonito, único, extraordinário. E presentear pelo nascimento (que é, eu posso dizer, o lugar e o tempo em que o presente tem mais concretude, bruta e violenta), é mesmo matéria para enlaçar e dedicar as coisas de beleza ancestral.

Há dias, vigilante, coleciono palavras pra te entregar, também em celebração, sinal de festa, de afeto e gratidão pagãos. As palavras, estas aqui, vão falando dos meus escondidos, estes que invariavelmente acertas agudo com as tuas palavras ágeis, ditas no veludo da tua voz e no contorno desenhado por teu gesto. Palavra por palavra eu as ofereço a ti, no exercício meio covarde meio corajoso em que vou desmanchando aquela pele da vergonha, pra desse movimento de sobrevivência nascer a minha lâmina, minha tábua, meu tosco discurso.
Coisa tola, quem foi que me pediu? Calma, sussurro nos meus ouvidos, tira o frio dessa barriga e lança o corpo no vento, suspirando profundo: é o presente pela tua existência de nome bonito e olhos brilhantes-miúdos, e presente se entrega sem muito porquê mesmo, só pela vontade de acertar com doçura o carinho no meio do peito, simplesmente por ser hoje, dia do aniversário, dia de dançar em oração carnavalesca a graça de viver e respirar as delicadezas pequenas e inalienáveis, as conquistas indescritíveis e imensuráveis, o tempo sem predicação, e sobretudo os amores imediatos, diversos e verdadeiros.

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