Quando eu era jovem, bem jovem, eu ia ser atriz.
Cabelos longos, pernas, bunda e peitos duros, mãos as mesmas, olhos grandes. Um corpo à disposição e uma vida inteira pela frente.
Meu primeiro amor veio do colegial e eu o abandonei no dia dos namorados de um inverno ansiado de tardes de sexo fácil e incansável porque achei que estava predestinada ao meu professor de música que na verdade era a paixão da minha irmã. O professor tinha (ainda tem, porque está vivo) um nome de dois gêneros, como Leonor, e numa tarde sem mais nem menos declarou seu amor por mim. Eu aceitei. Em seis meses, trepamos uma vez e meia, e não por falta de oportunidade – ele pau duro, eu exuberância oferecida dos meus 18 anos. Mas não dava certo. Muitas madrugadas em silêncio e em vão, eu à serviço, ele sem o jeito, e não.
A culpa, claro, era minha. Que esse negócio de ser atriz é mais ou menos isso, a gente finge tanto ser o que não é que acaba nunca sendo o que é de verdade, ou coisa nenhuma qualquerzinha que seja. Então quem era eu se ele não conseguia ver quem eu era de verdade? Como ele haveria de amar essa obscura farsante impostora ardilosa falsa tratante que era eu, já que essa aqui, a exuberância oferecida dos meus 18 anos, não era eu de verdade?
Um dia ele foi assistir uma performance minha. Uma torre em espiral construída em tubo rohr na bienal de arte de 1991, infinitos varais que se cruzavam e panos imensos pendurados no vão central, três atrizes lavadeiras nas escadas, eu cantei com a bacia de alumínio entre as pernas molhadas que escapavam da saia imensa, eu chorei um filho morto. Não sei se aquilo era bonito ou bom, a gente era tão jovem, mas eu tava lá, valente, a exuberância oferecida dos meus 18 anos à disposição. Ele me disse que o tom da música caiu e que minha vida era igual àqueles varais, um emaranhado confuso sem fim.
O namoro acabou nas vésperas de Natal, sem despedida, sem discussão, morreu. Eu achei que ia morrer, mas não, eu não morri.
Hoje, 28 anos depois, meu corpo reclamou essa cicatriz. A sensação de pequenez e insuficiência. Uma desapropriação nas carnes. Os fios todos embaralhados, panos caídos no fosso. A água fria escorrendo entre as pernas firmes e a voz que perdeu o tom na exuberância oferecida dos meus 18 anos. O de verdade atormentando os ouvidos. A atriz que eu não fui.
Choro descontroladamente. A vida toma, imperativa, seus caminhos. As violências permanecem inscritas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário