O silêncio público dança aflito dentro da minha cabeça e do meu estômago num compasso não linear e predominantemente ímpar: não se acostuma, muda toda hora e quebra meu passo. Uma desazada quaresma virtual preenchida de preocupação, presença, planilhas, procrastinação, projetos, protótipos, predestinação e propósito. A pausa ainda é maior: nenhuma nota me percorre há dois meses. Estou seca, embora chore muitas vezes ao dia nos profundos desesperos diante das tragédias que se tornaram cotidianas e aparentemente incontornáveis, como aquela topada do dedinho do pé no pé da cama que acerta sempre e toda vez o mesmo lugar.
Então nesta manhã ensolarada de domingo, raspei os cabelos. Gosto do contorno da minha cabeça, da minha pele que envelhece bem, dos olhos grandes com sobrancelhas naturalmente desenhadas que crescem mais quando exibo por inteiro a testa grande, a mesma testa que foi escondida por anos debaixo da franja.
Gosto de ser a leonina feminil que raspa os cabelos. Gosto de ser a mulher não ordinária em que me tornei. Apesar da tristeza abissal que sinto, da genética que me desespera, dos medos, inércias e autossabotagens que insistem e me obliteram o caminho, eu reconheço essa mulher que me olha nos olhos e que eu chamo de eu. Essa, que chora ao menor sinal de poesia.
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