Não sei bem onde entre o depois, o escuro, o rés do sangue e o suor dos ossos estão escoriadas as separações. Não é a mesma folha dos desencontros nem a dos amores (que também transitam por ali), mas é outra lâmina, ora transparente, ora acinzentada. Garatujas, rabiscos desordenados, inconclusos, orações sem sintaxe, interrupções barulhentas, silêncios infinitos, palavras estripadas e sobretudo as que nunca foram ditas. Não conformam nada, são quase um caroço, menos que uma cicatriz.
Ligados aos nervos em carne viva desta camada, em uma extremidade está o estômago que passa imediatamente a existir, fraudulento: não é fome, não é saciedade, é somente uma presença contínua e esburacada; na outra ponta estão os olhos que superlativam e desaguam, inconvenientes, ininterruptos.
As separações são a alma da dor. São filhas da morte. Delas nascem o espólio (vivo ou morto) e o substantivo luto, que é um filho franzino, também cinza e moribundo, que existe somente enquanto é preciso transmutar a saudade em memória.
Edito: pós-escrito.
Faz um calor descomunal, a cidade fede. Junto meus cacos e vou dançar. Aqui dói, nos acúmulos. O verbo se apresenta, o substantivo desiste, mas vou. Vozes, mãos e corpos pretos embalam meu peito que dilacera miúdo, no meio do salão cheio de sorrisos, peles e suores diversos, eu abro minhas portas, não sinto alegria nem prazer nem nada, só este calor desesperado que faz meu corpo chorar por todos os buracos. Meus olhos transbordam escondido mas se recusam a estar ali, oblíquos. Eu fui, eu não fui, eu voltei e eu ainda estou lá. Separada de mim. Eu sou aquela dramática que chora na aula de dança.
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