Neste 30 de dezembro eu sou cansaço e silêncio.
Ontem eu revisitei a angústia dos domingos da minha infância choramingada no escuro do banco de trás do carro na estrada quase sem estrelas. No mesmo ontem chorei assombrada pela beleza dos meus filhos. E ainda no final de ontem amei como um bicho, sem pejo e sem barulho, derramando gozo e certeza entre minhas coxas quentes e generosas.
Ainda sou cavalo sem domar, e dou graças.
Silêncio e cansaço.
Cantei tão pouco e nunca tão bonito.
Estive muito sozinha e encontrei pessoas fundamentais.
Descobri universos multiformes coloridos dentro do meu corpo: ideia, som, ruído, volume, confiança, desequilíbrio, força, pensamento, inércia, dor, prazer, duração, re-morte, re-vida, tudo cozinhando lentamente num estado líquido e viscoso entre a lava e o mercúrio de cor azul-marinho profundo e incontinente.
Há um descompasso extremamente barulhento entre este meu corpo hoje imenso e molhado e o mundo, manifesto numa hipersensibilidade auditiva a um só tempo desconfortável e curiosa: sinto o ruído dos meus ossos e vísceras, escuto o barulho ardido da minha raiva, ressoa no meu peito o vídeo escroto do celular no banco ao lado do coletivo, arrepia minhas peles a menor das alegrias, percebo as presenças diretamente no meu lombo de cavalo e posso antecipar quando meus fluidos escorrerão de dentro para fora nos meus buracos e mucosas.
Ainda assim, e por isso mesmo, sigo calada e exausta.
Naufrago dentro de mim, devagar, quieta e atenta.
Resisto, re-existo, teimosa, todos os dias.
Sinto muita tristeza, não tenho quase esperança, morro de medo do que virá e não sei o que fazer.
Tento não paralisar, tateio no escuro um caminho acanhado e avanço com lentidão, de esguelha, cada passo uma raiz, uma valentia, um risco.
Eu canto pra não morrer, eu amo mais: desígnio do meu nome, cond(enaç)ão e devir.
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