No dia 13 de dezembro de 2006 eu fui internada com uma infecção renal que evoluiu para uma septicemia. Eu tinha 33 anos, e além dos meus dois filhos lindos, minha vida valia uma separação e meio casamento em andamento, um disco inacabado, 50 e poucos quilos, um emprego de merda na repartição, cigarros, insônia, um gato maltratado. Minhas tardes de amor acabavam de virar brevidade, meus domingos eram tão tristes. Mamãe veio cuidar de mim. Papai telefonou pra tia Lucy, que enviou consecutivo um envelope anunciando em caligrafia antiga "Valdo e Hebe Pétalas Bentas de Santa Terezinha para Juliana". Dentro dele, duas dúzias de pétalas róseas de rosas secas, ainda perfumadas, fazedoras de milagres.
Tia Lucy era freira carmelita descalça, viveu sessenta e cinco anos em clausura, cada um e todos eles dedicados a rezar. Ainda menina fui visitá-la com meu pai e seus olhos eram maiores que os meus, do azul mais claro e mais transparente que jamais vi ou verei. Sessenta e cinco anos de joelhos e mãos entrelaçadas, carregando os pecados do mundo nas suas costas.
Depois de dez dias dormindo com o envelope sob o travesseiro, eu saí viva do hospital. Era antevéspera de Natal, fazia tanto calor, não comprei presentes pros meus filhos, não telefonei pra Tia Lucy. As pétalas de rosa foram parar na capa do disco, que a ela dediquei. O meio-casamento acabou. O emprego também, e a insônia, os cigarros, o gato. Meus domingos não são mais tristes e as tardes de brevidade se converteram em horizonte, casa e barco, rosal formoso, e além.
Pétalas de Santa Terezinha fazedoras de milagres.
Minha tia Lucy morreu esta manhã. Eu sinto tristeza e desamparo. Minha tia Lucy morreu neste domingo de sol e eu sinto algum desespero, apesar de saber que ela vai seguir olhando por mim, por meus filhos que ela não conheceu, por meus olhos grandes como os seus, por nossa casa e barco, nosso rosal formoso, e além.
Meu pai disse que hoje tem festa no céu porque a tia Lucy chegou lá. Eu, aqui, miúda, encolhida, vou dormir com o envelope sob o travesseiro.
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