quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

cartografia 22

Meu canto mora na beira do precipício.

Ali, na linha tênue que separa meu corpo do ar, meus pés do desfiladeiro, meu umbigo da morte, eu quero a minha voz.

No risco.
No assombro.
No alívio.

Eu habito entre margens: a memória do que eu fui, a saudade do que eu não fiz, meu coração-cavalo-sem-domar, minha pele fina e fácil, dia-mantes, tristeza e as tantas linhas bifurcadas impercorridas que vão se desmanchando em varizes, hematomas, estrias, enxaquecas.

Meu corpo está apavorado e paciente. Aprendi recentemente a caminhar nos seus escuros invisíveis de um jeito tão novo e generoso que ainda me assusto quando chego perto de escutar o que eu ainda não vivi.

Sim. Do fundo da noite partiu minha voz: e é deste escuro que quero ver brotar a palavra.

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