quinta-feira, 1 de agosto de 2019

cartografia 14

O horror tem agulhas fincadas nos olhos dos outros. Palavras facas mal ditas e estilhaços que se enfiam nos ouvidos dos outros. Tem a calma de cordas que amarram os braços atrás das costas e os pés sob a cadeira e uma boca sem mordaça, atônita, calada. O horror é inerte, inerme, verme, rasteja gosmento e em profundo si lên ci o. Ratos raspando suas unhas imundas no piso e nas paredes, conversando seus barulhinhos cheios de gerúndios com outros ratos no escuro e nos buracos se multiplicando feito ratos, ratos que são, sujos, podres, doentes, muitos ratos espalhando seus bafos com epidemias, pestilências, gases tóxicos, venenos.

O horror é esta dor que apareceu do lado direito inferior minha espinha, fina, disfarçada de quase nada, uma lâmina que raspa no osso e produz um som tão agudo que quase não se escuta, mas que está lá e quando menos se espera, apita fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.

O corpo afunda. As mãos congelam. O peito arde. Todas as articulações rangem como uma máquina velha e ineficiente pronta para morrer.

O horror paralisa.

Em si lên ci o.

***

Meu amor, eu não tenho nada bonito pra te dizer hoje. Nem alegre. As pessoas dizem que é preciso fazer poesia em tempos de barbárie, é preciso rir e fazer festa, pode ser, mas hoje eu não consigo. Eu sei que coisas boas estão acontecendo, eu reconheço isso, eu sei, é maravilhoso, mas hoje eu não sou nada além desse apito nas minhas costas e esse si lên ci o que atordoa. Me perdoa, meu amor. Hoje eu sou um mapa apagado, um corpo calcificado, uma rota interrompida, um buraco sem fundo, não tem água nem vento nem nada dentro de mim. Violentamente.

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