Tem uma pilha de louça pra lavar. Uma pilha de emails para responder. Uma pilha de boletos, mensagens, dias indistintos, pessoas a morrer. Eu, uma pilha de nervos. Meu corpo uma pilha de ossos, músculos e vísceras mal encaixados e doloridos. Espalhadas pela casa, pilhas de roupa suja, cadernos, bugigangas, palavras, poeira e silêncios.
Na segunda-feira de Exu e dia de São Pedro fizemos um poema-ritual. Meu corpo cartográfico de olhos imensos cantou para minha filha, meu amor e uma pequena tela – essa coisa de cristal e luz que leva para e traz do mundo (qual mundo?) cartas de marear, notícias e sons muito imperfeitos.
Tela: retícula, encruzamento, entrelaçamento, urdidura, entralhação, enredo, contexto, tessitura, interseção, corte; rede, plexo, teia, tecido, tralha, meada, filigrana, renda, lavor, trança, madeixa, tresmalho, cipoal, labirinto, cruz, entrepernas, cadeia, emaranhamento (desordem), encruzilhada, ambívio; escaques, quincunce. Meu oráculo me entende.
Quem me viu possivelmente não saiba de todos oceanos, ventos turbulentos e minúsculos cacos de vidro que operaram sua dança suicida dentro de mim pra que eu estivesse ali, despida de todas as minhas certezas. Não pressinta, talvez, os milhares de grãos de areia encadeados que compõem a delicadeza dos espelhos, lembranças, raios de sol e lâminas coloridas. E não escuta, certamente, os espinhos desesperados que brotam do lado de dentro deste meu corpo que está profundamente triste.
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