Há algum tempo, vocês sabem, não comemoro datas tradicionais, aniversários, dia das mães, natal. Acho mais bonita a celebração dos pequenos milagres cotidianos, o cheiro do café coado de manhã cedo, a comida fresca na mesa, um vinho ocasional, a alegria incomparável das pequenas e profundas conquistas. Talvez porque saiba, definitivamente, que minha sina (dor e prazer) é cuidar de gente, com minha voz e com minhas mãos, e isso não é coisa que valha algum dinheiro nesse mundo todo torto, e no final das contas, nem me importa mais, a gente vai equilibrando os pratinhos. Talvez também porque envelheça rápido e entenda, cada vez mais profundamente, aquilo que aprendi nas aulas de filosofia, e que está no evangelho de São João: os atos de amor são a única coisa que realmente fica - e entendo por ato de amor as diversas e imprescindíveis formas de gentileza, compaixão, justiça, alimento e beleza, e ainda todas as maneiras com que duas ou mais pessoas resolvam se relacionar verdadeiramente com seus corpos e seus espíritos.
Enfim, tudo isso pra dizer que não escrevi pra vocês no ano novo ou aniversário, mas agora, numa tarde quente de janeiro, em que percebo que temos coisas a comemorar, miúda e emocionadamente, pois que nas últimas semanas vivemos pequenos milagres e singelas conquistas, resultados de nossa valentia, teimosia, inteligência, da generosidade dos que nos cercam, e de uma pequena dose de sorte (que tantas vezes nos falta).
Pois vejam.
O Uruguay é um imenso azul celeste de horizonte infinito e além, com um vento incessante, e a gente se sente grande e pequeno ao mesmo tempo. Quando vocês vierem (e tenho certeza que virão), vão ver uma gente comprometida, sabida, que usa suas coisas à exaustão (me lembrei a todo tempo de um dos meus poemas preferidos do Brecht, "De todas as obras", e a sublime beleza das coisas que foram tocadas por muitas mãos...), que ri largo, que já sofreu muito, não tem quase nada, e se orgulha do lugar que está construindo; que te beija as bochechas e aperta a mão de verdade; que põe plantinhas pra crescer em todos os cantos; que tem muitos livros, muitos!; que fica na rua até tarde aproveitando o pôr do sol. Enfim, uma gente e um lugar pra viver.
E aqui, miúda, quente e cheia de ventos, eu lembrei de uma coisa esquecida.
Estar num lugar em que ninguém te conhece é das sensações mais magníficas que existem, a inebriante iminência de se ser tudo o que você queria ser sem medo. Conhecer gente muito diferente da gente, no variado comezinho, e ainda assim, reconhecer-se semelhante e partícipe, é sublime. Uma combinação linda de solidão, alegria, surpresa e completude. Incerteza e poesia.
E olha que coisa: vocês estão, por outras circunstâncias, diante dessas mesmas possibilidades, e eu me emociono (e é exatamente isso que queria lhes dizer) com a importância desse momento: você, João, e você, Luiza, e a imensa potência do que estão construindo em e para suas vidas, sozinhos, mas de mãos dadas a uma grande força amorosa erguida desde muito tempo por aqueles que estão juntos de vocês e sempre estiveram. Neste ponto do caminho, de incerteza e poesia, vocês podem se inventar e se reinventar. Vocês podem ser o que quiserem ser, não ser nada e ser tudo. Vocês podem conhecer gente diferente e igual. Mesmo que a realidade feia e imperativa mostre suas unhas e seus limites, mesmo que estejamos condenados a uma engrenagem perversa e injusta (e mudar isso nos custe talvez a vida), vocês podem ser, onde for, do jeito que for, com quem for; com frio na barriga e tremor nas mãos, vocês podem, intransitivamente - a tal combinação linda de solidão, alegria, surpresa e completude.
Isso fez um tcharam aqui, e preenche agora meu peito vermelho de um sentimento único e indizível. Choro. Porque eu sei (ao tempo que também não sei) o tamanho das suas asas, a profundidade dos seus olhos, da água e do sangue que corre na carne de que são feitos. E dou graças.
A isso, a esse horizonte igualmente celeste e infinito, cheio de vento, sol e sorrisos largos, à solidão e à alegria, eu ergo meu copo, e brindo a vocês dois, João dos olhos de floresta, Luiza ensolarada dos dias, meus amores de ouro, e agradeço a sorte, honra e grandeza que é ser sua mãe.
Enfim, tudo isso pra dizer que não escrevi pra vocês no ano novo ou aniversário, mas agora, numa tarde quente de janeiro, em que percebo que temos coisas a comemorar, miúda e emocionadamente, pois que nas últimas semanas vivemos pequenos milagres e singelas conquistas, resultados de nossa valentia, teimosia, inteligência, da generosidade dos que nos cercam, e de uma pequena dose de sorte (que tantas vezes nos falta).
Pois vejam.
O Uruguay é um imenso azul celeste de horizonte infinito e além, com um vento incessante, e a gente se sente grande e pequeno ao mesmo tempo. Quando vocês vierem (e tenho certeza que virão), vão ver uma gente comprometida, sabida, que usa suas coisas à exaustão (me lembrei a todo tempo de um dos meus poemas preferidos do Brecht, "De todas as obras", e a sublime beleza das coisas que foram tocadas por muitas mãos...), que ri largo, que já sofreu muito, não tem quase nada, e se orgulha do lugar que está construindo; que te beija as bochechas e aperta a mão de verdade; que põe plantinhas pra crescer em todos os cantos; que tem muitos livros, muitos!; que fica na rua até tarde aproveitando o pôr do sol. Enfim, uma gente e um lugar pra viver.
E aqui, miúda, quente e cheia de ventos, eu lembrei de uma coisa esquecida.
Estar num lugar em que ninguém te conhece é das sensações mais magníficas que existem, a inebriante iminência de se ser tudo o que você queria ser sem medo. Conhecer gente muito diferente da gente, no variado comezinho, e ainda assim, reconhecer-se semelhante e partícipe, é sublime. Uma combinação linda de solidão, alegria, surpresa e completude. Incerteza e poesia.
E olha que coisa: vocês estão, por outras circunstâncias, diante dessas mesmas possibilidades, e eu me emociono (e é exatamente isso que queria lhes dizer) com a importância desse momento: você, João, e você, Luiza, e a imensa potência do que estão construindo em e para suas vidas, sozinhos, mas de mãos dadas a uma grande força amorosa erguida desde muito tempo por aqueles que estão juntos de vocês e sempre estiveram. Neste ponto do caminho, de incerteza e poesia, vocês podem se inventar e se reinventar. Vocês podem ser o que quiserem ser, não ser nada e ser tudo. Vocês podem conhecer gente diferente e igual. Mesmo que a realidade feia e imperativa mostre suas unhas e seus limites, mesmo que estejamos condenados a uma engrenagem perversa e injusta (e mudar isso nos custe talvez a vida), vocês podem ser, onde for, do jeito que for, com quem for; com frio na barriga e tremor nas mãos, vocês podem, intransitivamente - a tal combinação linda de solidão, alegria, surpresa e completude.
Isso fez um tcharam aqui, e preenche agora meu peito vermelho de um sentimento único e indizível. Choro. Porque eu sei (ao tempo que também não sei) o tamanho das suas asas, a profundidade dos seus olhos, da água e do sangue que corre na carne de que são feitos. E dou graças.
A isso, a esse horizonte igualmente celeste e infinito, cheio de vento, sol e sorrisos largos, à solidão e à alegria, eu ergo meu copo, e brindo a vocês dois, João dos olhos de floresta, Luiza ensolarada dos dias, meus amores de ouro, e agradeço a sorte, honra e grandeza que é ser sua mãe.
Montevidéu, 17 de janeiro de 2018.
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