(Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
carta da ausência
Voltou para casa rápido, mal despediu-se, no fundo achava que talvez ele a estivesse esperando. Abriu a porta ansiosa, atravessou o corredor, e encontrou a cama feita, como deveria ser, o quarto vazio. O frio quarto vazio. Fosse de outro jeito, teria despido-se em silêncio felino, banhado o corpo cansado para tirar o odor do bar, e então perfumada de rosas deitaria nua ao seu lado, escorregando as mãos sob o cobertor azul para sentir o calor da pele, e ao encontrá-lo já pronto, ainda adormecido, invadiria seus sonhos, desfrutaria dele como se de um estranho, diria barbaridades, prostituiria. Mas ele não estava lá. Sua inaptidão para dormir desacompanhada a fez insone, e por imediata conseqüência, rodopiou o pensamento naquilo que ainda carece de ordem, o conforto que não é possível dar aos filhos e a si mesma, a conta do telefone, a construção das novas condições demora um tempo que desconhece e desentende. Chorou miúdo de garganta ardida, teve de novo a vontade infantil, vou fechar os olhos e quando abrir tudo estará resolvido. Tentou diversas vezes, mas o quarto continuava vazio, tudo no mesmo lugar, sobretudo as coisas que insitem em trazer de volta um outro tempo, cujas felicidades viram lembrança e as tristezas horror. Mas ele não estava lá. Tentou um prazer imediato e mediano, enfiou os dedos entre as coxas, mas estava seca, ressecada, sem efeito, ele não estava lá. Teve medo. Chorou de medo. Lembrou-se de um verso preferido: te amo como se ama um passarinho morto. Dormiu vestida de olhos borrados, e no limite do seu desespero encontrou alguma beleza, aquela que reside no gesto delicado e generoso da equilibrista do circo vagabundo.
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2 comentários:
a beleza intensa das horas mortas e a paixão reversa das alegrias vindas, mesmo com seus hiatos, suas horas de desespero. o belo da morte do pássaro como presságio de que amar é sempre morrer um pouco. prefeito encubulado de emoção depois da carta lida, comadre...
Q lindo!
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