Ela quer ir embora de si mesma.
Na mala levaria as mãos, o sorriso e os olhos, e nenhuma, nenhuma palavra. Deixaria todas em feia desordem, todos os adjetivos e advérbios, suas esmeradas subordinadas, esqueceria desarrumados os verbos, todos os nomes, sobretudo os comuns e os abstratos, talvez guardasse em caixa bonita apenas alguns próprios. Abandonaria as preposições, as conjunções, os apostos, espalharia no chão todas as concordâncias e quaisquer flexões. Largaria aos pedaços a mordaça do seu discurso, esse que fecha a boca do seu coração vermelho e abre a garganta empestiada-podre, lotada de frases antes empunhadas com orgulho: o medo do desejo, a tormenta da espera, a generosidade do amor, a beleza do diverso, o pavor da solidão, a memória do corpo, a renúncia das escolhas, o pressentimento da brevidade.
Muda, triste e talvez moribunda, inventaria então uma nova ordem, inconteste e nua, no avesso da predicação: plenavras, únicas, solitárias, completas.
Como uma coisa, um mineral.
Talvez hoje ela queira morrer, porque aquela escolha está doendo demais.
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