quarta-feira, 31 de outubro de 2007

diário da ausência, segundo dia

ontem tive vergonha de mim.
estavas lá, na praça, na cidade das cavernas, com as crianças correndo ao redor do coreto - o tempo dos viajantes é outro, bem sabes - e eu aqui, no meio da minha pequenez e do meu excesso, atrapalhando a tua noite de estrelas.
desliguei o telefone com vergonha da minha saudade, a inconveniência estalada no meio do peito, e fui dormir muito e adolescente, sem vontade de acordar.
perdoa-me, meu senhor meu, minha desmesura.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

diário da ausência, primeiro dia

meu senhor meu,
tenho muita saudade.
o dia foi de tumulto.
a noite foi de solidão.
tua ausência pesa-me dolorida.
te espero como nunca.
te espero como sempre.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

auguração

o ano será de sorte, costumávamos sussurrar sob a lua na janela; e nos já foi generoso, pois que ensolaramos infinitudes, pois que o disco saiu com minhas pétalas, minha tristeza e teus colchetes, pois que do encontro nasceu o risco.
o ano deveria ser de sorte, e acreditamos tanto no vôo dos pássaros, nas sincronicidades amontoadas, nas delicadezas; e tem sido verdadeiro, porque vamos juntos e sorridentes, apesar do escuro desconhecido, dos imponderáveis sucessivos, da velocidade intransigente.
são 70 dias ainda, e seguimos assim, as mãos dadas, agarradas às mãos, os joelhos empenhados em não despencar, os olhos encharcados e corajosos, muito e cada vez mais misturados, repetindo um para o outro mesmo às vezes sem certeza que tudo vai dar certo, esse é nosso ano de sorte, os números não haveriam de mentir, e o futuro logo ali pertinho nos reserva o lugar que merecemos, pois desejamos tão pouco, meu deus, só almoços de tumulto e noites de profundezas, aquele direito ao mais formoso dos desígnios e que nos prometeram inalienável: nosso rosal amoroso, teu norte no meu, o labirinto, e além.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

funcional 3

quero sumir, desaparecer.
não quero as capas de plástico, os telefonemas de bibliotecárias estúpidas, não quero a prestação de contas as notas fiscais os recibos de empenho as ordens de execução de serviço as locações de natureza artística os decretos de fixação de preços públicos as cessões por preço mínimo ou cinco por cento da bilheteria o que for de maior valor os aditamentos contratuais as dispensas de licitação a lei 8666 o despacho administrativo a reunião do conselho administrativo o grupo de obras os projetos especiais a rádio peão o alto clero, não quero mais.
minha contribuição não é frutífera, não tenho competência para bom serviço à municipalidade, minhas palavras enfeitadas e meus diminutivos não são adequados às averiguações disciplinares nem aos esclarecimentos de dolo culpa ou prejuízo ao erário.
não quero.
mereço, como disse hoje anita, um lugar mais parecido com meus sonhos:
as manhãs em casa com minhas rosas, a mesa posta, meus amores amanhecendo em tumulto ensolarado
as tardes com flores de plástico nos oratórios do meu pai
as noites tão somente de belezas.
no risco. na travessia.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

carta noturna

Quisera fossem, senhor meu, apenas noite nossos dias.
Debaixo do sol, senhor meu, as dobras no meu rosto aparecem e mostram a dor, o passar dos anos e as coisas que insistem em não passar; minhas mãos tremem diante do insucesso que não cansa de me derrubar em profundo desespero, este que me faz cantar chorando baixinho pra que Deus não me abandone, por favor, fica comigo; minhas pernas fraquejam, meu ar desnorteia, não como, não resulto, não consigo. Sob o dia, tudo aparece, ensurdecedor, e eu realizo que não vou aguentar. Minha derrrota, hoje sei, é diurna, inexorável e solar, zomba de mim com seus dentes claros e seus números perfeitos.
Mas escondidos do sol todos nossos anseios sobrevivem, vivem intensos em floradas escuras sucessivas e sorridentes, e minha certeza me reencontra entre teus braços macios, em tuas mãos pesadas. Nosso protetor aparece pra nos guardar, cavalgadura lunar. Nossa rosa ganha brilho e define sua luz escura, brilhante e inútil. Nossa alegria conquista toda a pele, sem limite, sem tempo, sem fim.
À noite sou feliz porque sou tua mulher, tua prostituta vadia, tua outra, tuas muitas e quaisquer. Assim, sou eu mesma.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

( )

(prossigo no silêncio que sucede os grande encontros, com uma felicidade miúda, sorrizim...)